Artigo da Fiocruz mostra expansão de inteligência artificial contra o câncer
Publicado por Maíra Menezes (IOC Fiocruz)
Um estudo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) revela o crescimento acelerado de aplicações de inteligência artificial voltadas para o enfrentamento do câncer. Publicado na revista Nature Biotechnology, o trabalho analisou os registros globais de patentes na área, mostrando a expansão de novas tecnologias, principalmente ligadas a análise de imagens, biomarcadores, detecção precoce da doença e modelagem de expressão genética. Realizado numa base de dados que reúne informações sobre mais de 50 escritórios de patentes do mundo, o levantamento identificou 749 registros para aplicações de IA na oncologia. As primeiras invenções datam de 1997, porém mais de 95% dos registros ocorreram após 2015. Em sete anos, de 2015 a 2022, o número de patentes saltou de 25 para 749, o que corresponde a uma taxa de crescimento média de 53% ao ano.
O levantamento foi realizado pelos pesquisadores Luiza Braga, Renato Lopes, Luiz Alves e Fabio Mota, do Laboratório de Comunicação Celular do IOC. Segundo os autores, os dados apontam que a área deve continuar crescendo nos próximos anos.
“Nossas projeções indicam que, até 2027, poderemos ter cerca de 390 novos registros de patentes de inteligência artificial com aplicações na área oncológica por ano. Pelo conteúdo das patentes, são esperadas aplicações de IA em diversas áreas da oncologia, incluindo pesquisa básica, diagnóstico, tratamento e estratégias pós-tratamento”, afirmam os autores.
Traçando um panorama do setor, o estudo identificou os países com maior número de registros, o perfil dos desenvolvedores e os tópicos mais abordados.
À frente da maioria das invenções até 2016, os Estados Unidos foram ultrapassados pela China e pela Índia. Em 2021, último ano com dados completos levantados, foram registradas 160 patentes na China, 47 na Índia e 27 nos EUA.
Enquanto isso, o levantamento encontrou apenas três patentes no Brasil de 1997 a 2022, sendo apenas uma de autoria de instituição brasileira: a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No cenário global, instituições acadêmicas e empresas foram responsáveis por 80% dos registros de patentes, sendo que as empresas lideraram entre 1997 e 2020 e as instituições acadêmicas se tornaram maioria no ano seguinte.
Em 2022, com dados parciais coletados até setembro, os registros de patentes feitos por pessoas físicas foram majoritários. Com menor frequência, hospitais e governos também apareceram à frente de invenções.
Os autores do estudo chamam atenção paras as estratégias nacionais de investimentos dos países que lideram o desenvolvimento da IA para o câncer.
Em 2017, o governo chinês lançou o programa ‘New Generation Artificial Intelligence’, com investimentos previstos de US$ 1 trilhão até 2030.
No ano seguinte, a Índia apresentou a iniciativa ‘National Strategy for Artificial Intelligence Program’, com previsão de investir US$ 1,3 bilhão até 2025.
Nos Estados Unidos, o gasto público e privado na área foi de aproximadamente US$ 80 bilhões, apenas em 2020, com destaque para colaborações entre academia e indústria.
“Baseado nas estratégias dos países líderes, observamos que é importante fomentar parcerias entre instituições acadêmicas e o setor privado, impulsionando a pesquisa e aplicação da IA na área oncológica. Além disso, estratégias nacionais de fomento à pesquisa e desenvolvimento, aliadas a políticas de incentivo, podem catalisar o potencial brasileiro”, avaliam os pesquisadores.
Considerando o conteúdo das patentes, os pesquisadores observaram que a maior parte dos registros não citou um tipo específico de câncer no alvo da tecnologia.
Entre os tumores citados, os mais frequentes foram de mama (associado com maior número de casos no mundo) e de pulmão (causador do maior número de mortes).
Uma técnica de modelagem computacional foi aplicada para identificar os tópicos temáticos no texto das patentes, apontando temas em destaque nas aplicações de inteligência artificial na oncologia.
A análise de imagens por IA foi considerada o tema dominante das invenções, presente em 43% das patentes registradas. Segundo os autores, esse tópico pode incluir aplicações de inteligência artificial para segmentar e classificar imagens médicas, como radiografia, ressonância e tomografia, com objetivo de obter diagnósticos mais rápidos e precisos.
Associado com a análise de imagens por IA, o treinamento de modelos de aprendizado de máquinas para identificação de lesões associadas com o câncer em imagens médicas foi detectado em 20% das patentes, mas em queda nos registros mais recentes, o que pode indicar saturação do tema.
Triagem de biomarcadores, detecção precoce do câncer e modelagem de expressão genética apareceram como temas emergentes, identificados com menor frequência, mas em número crescente de patentes.
Segundo os autores, a triagem de biomarcadores pode ser relacionada, por exemplo, com aplicações que utilizam inteligência artificial para detectar e monitorar componentes no sangue ou padrões vasculares associados com câncer.
No tópico detecção precoce da doença, podem ser contempladas ferramentas que comparam dados de um paciente com informações de grandes bancos de dados para detectar alterações sugestivas da doença em seu estágio inicial.
As aplicações para modelagem de expressão genética podem contribuir para identificar padrões genéticos que permitam propor tratamentos ideais para tipos específicos de câncer e prever a progressão da doença.
Considerando o crescimento acelerado do campo e o potencial de impacto das tecnologias, desde a pesquisa de bancada até o diagnóstico e tratamento da doença, os pesquisadores avaliam que a inteligência artificial pode revolucionar a oncologia.
“Podemos inferir que as aplicações de IA na área oncológica têm o potencial de transformar o estado da arte, contribuindo para a redução da mortalidade por câncer no futuro próximo”, dizem os cientistas.
O mapeamento realizado a partir dos registros de patente integra a linha de pesquisa de análise de informação científica e tecnológica em saúde, desenvolvida no Laboratório de Comunicação Celular do IOC.
De acordo com o chefe do Laboratório, Renato Lopes, e com o chefe substituto, Fabio Mota, os estudos desenvolvidos contribuem para análises retrospectivas e de antecipação de possibilidades futuras dentro dos campos científicos de atuação do Laboratório.
“Estudos de mapeamento de informação científica e tecnológica são um recurso valioso para orientar decisões estratégicas, levantando dados sobre potenciais parceiros, concorrentes e direções futuras da pesquisa. Essas informações possibilitam decisões estratégicas informadas, contribuindo para o planejamento eficaz e a otimização dos investimentos”, ressaltam os pesquisadores.