União Europeia propõe medidas que podem aumentar os gastos públicos do Brasil com medicamentos no Tratado de Livre Comércio
Pesquisa da Fiocruz revela que só com medicamentos para tratar HIV e hepatite C o acréscimo seria de quase R$ 2 bilhões ao ano. Proposta refere-se ao capítulo sobre Propriedade Intelectual do Tratado do Livre Comércio, que terá a próxima rodada entre 2 e 6 de outubro em Brasília
Pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) lançam hoje (28/9/2017) estudo que simula os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com os medicamentos usados no tratamento de HIV/Aids e de hepatite C, caso as propostas da União Europeia (UE) para o capítulo de propriedade intelectual do Tratado de Livre Comércio (TLC) sejam aceitas pelos países do Mercosul, na rodada de negociações, que será realizada em Brasília, entre 2 e 6 de outubro de 2017. O estudo da Fiocruz conclui que o governo brasileiro desembolsará valor adicional de até R$ 1,9 bilhão por ano só com a compra desses medicamentos – uma média de R$ 1,8 bilhão para hepatite C e de R$ 142 milhões em antirretrovirais (ARV).
A pesquisa foi realizada a partir da análise das compras de 22 ARVs pelo SUS em 2015 e dos três medicamentos para hepatite C adquiridos em 2016. Os valores encontrados no estudo correspondem aos custos anuais do tratamento de aproximadamente 60 mil pessoas com hepatite, com medicamentos de última geração, e mais de 57 mil pacientes com HIV.
“Essa é só a ponta do iceberg, já que a pesquisa se restringe aos 25 medicamentos usados no tratamento de apenas duas doenças. O governo compra muitos outros medicamentos para outras dezenas de doenças. O impacto das propostas da União Europeia no capítulo de propriedade intelectual pode refletir um gasto muito mais alto do que os R$ 1,9 bilhão anuais estimados pela pesquisa”, diz Gabriela Chaves, pesquisadora do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Ensp (NAF/Ensp/Fiocruz).
No que diz respeito ao capítulo de propriedade intelectual no TLC, o principal objetivo da União Europeia é aumentar os padrões de proteção, com a adoção de medidas chamadas Trips-plus, garantindo maior exclusividade de mercado para as empresas multinacionais, o que afeta diretamente a área de medicamentos. Essas medidas concedem maior proteção do que aquelas já previstas no Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Trips, na sigla em inglês) da Organização Mundial de Comércio (OMC), do qual o Brasil é signatário.
A proteção da propriedade intelectual no Brasil já é bastante ampla. Em 1996, o Brasil se adiantou à obrigação assumida no âmbito da OMC e aprovou a atual lei que concede proteção patentária para medicamentos, o que poderia ter sido feito só nove anos mais tarde. “Quem paga essa conta, que fica ainda mais alta com as medidas Trips-plus, é o SUS”, observa Gabriela. “O que está em jogo nos resultados dessas negociações é a sustentabilidade do sistema público de saúde, já que medidas que fortalecem o monopólio de tecnologias essenciais em saúde possibilitam que as empresas pratiquem preços muito altos, ameaçando o princípio da universalidade do SUS”, afirma.
O que está em jogo nos resultados dessas negociações é a sustentabilidade do sistema público de saúde, já que medidas que fortalecem o monopólio de tecnologias essenciais em saúde possibilitam que as empresas pratiquem preços muito altos, ameaçando o princípio da universalidade do SUS (Gabriela Chaves)
A proteção patentária de medicamentos foi sentida inicialmente no SUS com a adoção dos primeiros ARVs patenteados no final da década de 1990. Os ARVs anteriores a essa proteção foram produzidos localmente a preços mais baixos do que aqueles praticados pelas multinacionais. Quando as patentes de medicamentos entraram em vigor, em 1997, o governo brasileiro teve que adotar diferentes estratégias para a redução dos preços de medicamentos sob monopólio, como as flexibilidades de proteção da saúde pública previstas no acordo Trips da OMC para comprar e produzir genéricos e, assim, garantir a universalidade do tratamento de HIV.
Em 2007, por exemplo, o governo licenciou compulsoriamente o medicamento Efavirenz, o que possibilitou a importação e a posterior produção local de versões genéricas de 67% a 77% mais baratas do que o preço do produto patenteado. O mesmo ainda não aconteceu com os medicamentos de hepatite C. [Leia mais aqui]
A pesquisa realizada pela Fiocruz segue as recomendações do Painel de Alto Nível da ONU sobre Acesso a Medicamentos [leia mais aqui], que incluem a realização de estudos para avaliar o impacto que negociações comerciais na área de propriedade intelectual podem gerar na saúde pública e na garantia de direitos humanos. (Do NAF/Ensp para o blog do CEE-Fiocruz)
Acesse aqui a íntegra da pesquisa em inglês.