Da ‘Agenda Brasil’ à CPMF e ao ataque aberto à Constituição de 1988
Ou aumentam-se impostos ou cortam-se os gastos. São as duas soluções que ora se apresentam para fazer frente ao cenário em que “uma possível estabilidade governamental, ao menos provisória, está sendo trocada por arranjos de conteúdo tenebroso para a nação”, na avaliação de José Maurício Domingues.
Desde que o presidente do Senado, Renan Calheiros, apresentou-se como fiador da estabilidade institucional e política do país, a qual condicionou à concretização da famigerada Agenda Brasil, o país seguiu, aos trancos e barrancos, no sentido de uma acomodação. Ficava no ar quem bancaria o que, se a agenda era para valer ou não. Parece que é mesmo. Parece que uma possível estabilidade governamental, ao menos provisória, está sendo trocada por arranjos de conteúdo tenebroso para a nação. O envio do orçamento de 2016 ao Congresso, prevendo um déficit na medida em que as receitas não chegam para fechá-lo (mesmo que com uma ilusória taxa de crescimento de 0,2% projetada, a qual todos sabem que não será alcançada), é neste momento a peça fundamental da empreitada.
Duas soluções se apresentam para a absurda situação. Ou aumentam-se os impostos, ou cortam-se gastos. No primeiro caso, o governo resolveu ressuscitar a CPMF, de forma atabalhoada e com a quase certeza de que não será aprovada pelo Congresso, embora defendida até pelo ex-presidente Lula. Obviamente, nada de elevar a progressividade dos impostos. No segundo caso, o golpe de mão se coloca mais radicalmente, vocalizado pelo ministro que supostamente fazia as vezes de elemento progressista no atual mandato de Dilma Rousseff, como suposto contraponto ao duríssimo Joaquim Levy. Nelson Barbosa, ministro do Planejamento, defende agora abertamente a desvinculação das despesas obrigatórias da Constituição de 1988 (ver aqui). Em outras palavras, defende que somente se acabarmos com os percentuais mínimos de despesas em Educação, Saúde e Previdência Social será possível um orçamento racional e equilibrado.
A desarticulação do SUS via cobrança de serviços prestados à classe média havia desaparecido da segunda versão da Agenda Brasil (embora permanecesse o tema das aposentadorias abertamente na pauta). Volta agora o ataque ao SUS, mais amplamente ainda, na boca de um dos principais ministros do Governo Federal. O preço da estabilidade mostra-se de fato salgado, proibitivo na verdade, e o governo prepara-se para romper mais uma ponte entre ele e as bases que o elegeram.
Pode ser que não seja ainda desta vez que o ataque à Constituição de 1988 se mostre vitorioso, isto é, na tentativa de feri-la em seus fundamentos, uma vez que a concretização dos princípios constitucionais é para lá de incompleto. Mas a ofensiva segue em curso. Tudo indica que não se deterá.
Em tempo: enquanto isso, desdobra-se a crise entre a Venezuela e a Colômbia, resultado em grande medida da situação dificílima do governo chavista do presidente Maduro. Alguém ouviu falar da atuação da Unasul frente a essa situação ou da atuação do Brasil no sentido de mobilizá-la?
* Professor e pesquisador de Sociologia do Iesp/Uerj e pesquisador-associado ao CEE/Fiocruz; autor do livro O Brasil entre o presente e o futuro (Mauad, 2015, 2ª edição).