Críticas ao corte de gastos e perspectivas para o Brasil, a economia e a saúde
Do site Brasil Saúde Amanhã
Os mitos da insustentabilidade da dívida pública brasileira, da insolvência do Estado e da farra do gasto público, entre outras falsas premissas econômicas que vigoram, hoje, no Brasil, foram descontruídos por especialistas de diferentes instituições, reunidos no seminário Desenvolvimento, Espaço Fiscal e Financiamento Setorial, realizado, em 16/12/2016, pela rede Brasil Saúde Amanhã e o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz).
“Reunimos pesquisadores exponenciais do campo acadêmico, que, por meio da contínua produção de conhecimentos, vêm gerando subsídios para a ação política. Não temos, aqui, a pretensão da neutralidade. Este é um espaço de resistência ao retrocesso em curso no Brasil contra os direitos assegurados pela Constituição Federal”, afirmou o coordenador do CEE, Antonio Ivo de Carvalho, ao abrir o seminário.
O coordenador executivo da rede Brasil Saúde Amanhã, o pesquisador José Carvalho de Noronha, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), contextualizou o seminário como parte dos esforços da Fiocruz na prospecção de cenários futuros do sistema de saúde brasileiro. “Antever o futuro é ter um programa de ação, um objetivo a alcançar, para que possamos aguçar os sentimentos da paixão humana para construir o futuro. Somente a paixão aguça o intelecto. Nesse sentido, apoiados no paradigma de Celso Furtado por um Brasil mais justo, equitativo e soberano, buscamos lançar um olhar sobre as novas políticas econômicas e discutir se há, em médio e longo prazo, perspectivas de reversão dos cenários preocupantes que se colocam para o futuro”, anunciou.
Não temos, aqui, a pretensão da neutralidade. Este é um espaço de resistência ao retrocesso em curso no Brasil (Antonio Ivo de Carvalho)
Com transmissão em tempo real, o seminário contou com análises dos economistas Carlos Pikunsfeld Bastos, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Daniel Conceição, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, Sulamis Dain, das Faculdades de Campinas (Facamp), e Pedro Rossi, do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). O debate foi dinamizado pelos pesquisadores Carlos Gadelha, da Fiocruz, e Carlos Ocké Reis, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Buscamos lançar um olhar sobre as novas políticas econômicas e discutir se há, em médio e longo prazo, perspectivas de reversão dos cenários preocupantes que se colocam para o futuro (José Noronha)
Políticas sociais em tempos de ajuste fiscal
Os economistas foram unânimes ao analisar como insustentáveis os argumentos que defendem o Novo Regime Fiscal, estabelecido a partir da aprovação, pelo Senado, e da promulgação, pelo Congresso Nacional, da PEC 55, que prevê limite de gastos públicos com Saúde e Educação nos próximos 20 anos. Os especialistas discutiram alternativas viáveis para a economia brasileira, que permitam a continuidade do investimento em políticas sociais, na perspectiva de um projeto de país pautado pela garantia dos direitos assegurados pela Constituição Federal.
O professor Carlos Pinkusfeld Bastos, que abordou o tema O Brasil daqui a 20 anos?, definiu o atual momento da economia brasileira como o pior da História do país e analisou as decisões tomadas nos últimos anos que resultaram neste quadro. Nesse sentido, destacou a retração de gastos públicos federais, a desvalorização cambial, a elevação dos juros, a restrição de crédito e o “efeito Petrobras” sobre investimento – conjunto de medidas que classificou como “a tempestade perfeita de 2015”.
Apenas uma política fiscal expansionista seria capaz de tirar a economia brasileira da recessão (Carlos Pinkusfeld Bastos)
Pinkusfeld explicou que, na atual conjuntura, todos os elementos econômicos, ou componentes da demanda agregada [somatório de bens e serviços de uma determinada economia em determinado cenário], apontam para um aprofundamento da recessão e não para a recuperação econômica. Segundo o economista, esses componentes podem ser autônomos – consumo a crédito, gasto público, exportações e construção residencial – ou induzidos – consumo corrente, investimento privado em máquinas, equipamentos e estruturas. “No longo prazo são os componentes autônomos que condicionam o crescimento da economia. Entretanto, uma rápida observação indica que todos os componentes privados e externos não apresentam perspectivas de reação na atual conjuntura de recessão, caracterizada por enorme capacidade ociosa e alto desemprego. Apenas uma política fiscal expansionista seria capaz de tirar a economia brasileira da recessão”, observou.
O economista Daniel Conceição procurou desconstruir o “mito da insustentabilidade do endividamento do governo brasileiro e de outros governos centrais monetariamente soberanos”. Conceição demonstrou que o resultado contábil do governo não seria relevante, mas que uma gestão fiscal responsável ajustaria o gasto público e os impostos com vistas a combater o desemprego e a inflação – e nunca para combater o endividamento do governo central. “A situação que estamos enfrentando é justamente uma consequência da decisão do governo em adotar o combate da dívida pública como prioridade. O principal resultado desta medida é o aumento o endividamento da população, que leva à redução do consumo e à desaceleração da economia nacional. Com essa medida, o Brasil está freando a geração de renda”, complementou.
A situação que estamos enfrentando é consequência da decisão do governo em adotar o combate da dívida pública como prioridade. O principal resultado dessa medida é o aumento o endividamento da população, que leva à redução do consumo e à desaceleração da economia nacional (Daniel Conceição)
“Embora não haja uma crise fiscal, a invenção de uma é um problema sério. No contexto capitalista em que vivemos, convencer as pessoas de que existe uma crise fiscal traz, com certeza, problemas sérios para a economia do Brasil. O problema, portanto, não é esta suposta crise fiscal, que na realidade não existe. Mas a deseducação da população sobre as finanças públicas”, opinou Conceição.
Financiamento da Saúde e ‘austericídio’
A capacidade de tributação da riqueza a ser produzida nos próximos vinte anos foi o tema abordado pela professora Sulamis Dain, que analisou os limites possíveis de expansão ou retração da carga tributária, considerando o pacto federativo. Sulamis caracterizou o Novo Regime Fiscal como um “austericídio” e ressaltou a relevância do debate acadêmico e político neste contexto.
“O que me instiga nessa discussão é trabalhar nos silêncios. É reconhecer o que não é dito, mas que nos acompanha há muito tempo: o Estado brasileiro é patrimonialista. E este Estado patrimonialista é tão forte que a primeira medida anunciada pelo novo governo foi a Reforma da Previdência. Há uma dissociação entre a Reforma da Previdência e o Novo Regime Fiscal. Por isso é importante salientar que não existe crise fiscal e não existe crise previdenciária”, afirmou a economista.
Como pensaremos as questões estratégicas que regem a saúde, as políticas de preço, os programas de inovação, senão olharmos para o longo prazo? (Sulamis Dain)
“Outro silêncio que quero trazer à tona é relativo ao planejamento de longo prazo das políticas sociais”, disse Sulamis, apontando que engessar o gasto público pelos próximos vinte anos não só limita os investimentos em Saúde e Educação, direitos essenciais da população, mas compromete o desenvolvimento do Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEIS) e o fortalecimento da base produtiva nacional. “Essa é uma situação particularmente dramática porque as políticas públicas desses setores são essencialmente de longo prazo. Como olharemos para o CEIS senão na perspectiva de longo prazo? Como pensaremos as questões estratégicas que regem a saúde, as políticas de preço, os programas de inovação, senão olharmos para o longo prazo?”, questionou.
Por fim, o economista Pedro Rossi analisou as perspectivas para o gasto social sob o Novo Regime Fiscal e identificou o que chamou de “fábulas” que circulam sobre o tema, como sacrifícios que deveríamos passar obrigatoriamente após um período de excessos e agora deveriam se seguir os sacrifícios (num paralelo com a fábula A cigarra e a formiga); a contração fiscal expansionista (e a lenda da “fada da confiança”) e os mitos da insolvência do Estado e da farra do gasto público. “Ao contrário do que sugerem as medidas recentemente adotadas, o corte de gastos leva à queda no crescimento, à redução da arrecadação e à piora no resultado fiscal, que por sua vez levará novamente ao corte de gastos”, explicou Rossi, sobre a contração fiscal expansionista.
O corte de gastos leva à queda no crescimento, à redução da arrecadação e à piora no resultado fiscal, que por sua vez levará novamente ao corte de gastos (Pedro Rossi)