Coronavírus: Epidemia? Pandemia? Ou infodemia semiótica?
Por Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quanto mais passa o tempo e quanto mais a cobertura midiática se transforma numa guerra de versões, a epidemia da estação, o novo coronavírus (depois de SARS, ebola, gripe aviária, gripe suína, que prometiam a letalidade de uma gripe espanhola ou da própria peste negra), mais revela a sua função social de manter a ordem por meio de uma calamidade natural externa. Epidemia? Pandemia? Arma biológica criada em algum laboratório secreto? Mais do que tudo isso: o novo coronavírus se revela uma verdadeira arma na guerra da informação – uma “infodemia” com alto rendimento semiótico. De um lado, na geopolítica dos EUA que se esforça em quebrar a crescente participação da China na cadeia produtiva global. E do outro, na narrativa da grande mídia brasileira reeditando o “jornalismo de conjunções adversativas” em que bolsa cai e dólar dispara porque foram viralmente infectados: a economia “agora vai!”, MAS... só que não! E a culpa são dos chineses, italianos... a infodemia de expectativas é tão especulativa quanto o estouro das bolhas do cassino das bolsas de valores ao sabor das notícias da epidemia ajudam a derrubá-las.
“Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?
Não é tentar o suicídio
Querer andar na contramão?”
(“Desordem”, Titãs)
Lá no século XIX, a análise sociológica de Durkheim (ao lado de Marx e Weber, são os chamados “três porquinhos” fundadores da sociologia) descobria um mecanismo de coesão milenar nas sociedades: desde que não seja patológica pelo seu grau de recorrência, o crime é benéfico para a manutenção da coesão social – ele possuiria um caráter instrutor e regulador da ordem coletiva. Em outros termos, a Sociologia nasceu e logo de cara descobriu o papel fundamental do mecanismo de criação do chamado “bode expiatório” na manutenção da ordem – o princípio de que alguém, ou alguma coisa, deve levar a culpa de algum infortúnio coletivo. Para Durkheim, eram os criminosos. Mas a imaginação coletiva é capaz de criar diversas variações de inimigos externos: estrangeiros, bruxas, negros, judeus, homossexuais... ou mesmo qualquer evento negativo como calamidades naturais ou... epidemias, pestes. São racionalizações sociais para explicar colapsos políticos ou econômicos – a culpa não está no corpo social (que deve ser sempre coeso, harmônico e, principalmente, hierarquizado), mas fora dele, num ameaçador inimigo externo – humano, astronômico, geológico, biológico etc.
Quanto mais passa o tempo e quanto mais a cobertura midiática se transforma numa guerra de versões, a epidemia da estação, o novo coronavírus (depois de SARS, ebola, gripe aviária, grupe suína, que prometiam a letalidade de uma gripe espanhola ou da própria peste negra), mais revela a sua função social tão estudada por Durkheim.
Infodemia do jornalismo adversativo
Depois que o presidente da França, Emmanuel Macron, disse bombasticamente que o país precisava se preparar para uma epidemia do coronavírus, o chanceler italiano Luigi Di Maio alertou que uma “infodemia” (uma epidemia de “informações falsas no exterior”) estava prejudicando a economia e a reputação do país. Esse é o “COVID-19”, com uma taxa de mortalidade considerada baixa, em torno de 2,3% - pouco maior que o sarampo e bem menor do que o ebola. A letalidade em idosos com mais de 80 anos chega a 14,8%, caindo para 8% em pacientes entre 70 e 79 anos. “A letalidade não é alta, MAS preocupante”, é a frase que mais se ouve na mídia de especialistas e autoridades. Aliás, o uso da conjunção adversativa também está em alta: “porém”, “mas”, “contudo” etc. Lembrando o já clássico “jornalismo adversativo”, cujas conjunções eram aplicadas pela grande mídia para minimizar os bons números da economia nos governos petistas – a economia cresceu? PORÉM, não há estradas suficiente para escoar a produção.
Conjunções adversativas se prestam à especulação, mostrando que as notícias sobre o novo coronavírus são menos informativas e muito mais especulativas. Tão especulativas quanto os estouros da bolhas das bolsas de valores cujas notícias da epidemia ajudam a derrubá-las. Uma coisa é o COVID-19, que faz parte de uma grande família viral (conhecida desde meados dos anos 1960) que causa infecções respiratórias leves e moderadas, semelhante a um resfriado comum – que piora em pessoas com doenças cardiopulmonares, com sistema imunológico deprimido e em idosos.
Outra coisa é o rendimento semiótico que o COVID-19 passa a ter como evento midiático – o rendimento de significações que começam a gerar, de acordo com o gosto ou intencionalidade de cada emissor de discursos ou narrativas. Um rendimento que cumpre aquela função social durkheimiana: manter a ordem jogando a culpa nas expectativas e letalidade dos crimes – no caso atual, na perspectiva de uma pandemia global catastrófica.
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