Resposta da Saúde Global à Covid-19: uma visão do ponto de vista socioeconômico, diplomático e sanitário

Resposta da Saúde Global à Covid-19: uma visão do ponto de vista socioeconômico, diplomático e sanitário

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O texto a seguir é a adaptação do Editorial do último boletim do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), introduzindo uma série de textos analíticos voltados à diplomacia da saúde. América Latina e Caribe, Brasil, Brics, União Europeia, Região Africana, EUA estão em foco nas análises.

Por Paulo Buss e Pedro Burger*

Estamos vivendo as piores semanas da pandemia em termos globais, segundo o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom, na sua comunicação do dia 19 de abril de 2021: mais de 5,2 milhões de novos casos, o maior número em uma semana desde o início da pandemia (14% mais do que na semana anterior). Tamanho aumento deveu-se principalmente à desoladora contribuição da Índia, mas as Américas não ficaram muito atrás. Outro alerta do DG foi a manutenção de óbitos num patamar elevado e o alarmante número crescente de casos graves em jovens.
Quando se olha o mundo regionalmente, a América Latina ponteia o número de casos e óbitos no mundo, com a maior contribuição vinda do Brasil e do México. E lamentavelmente nosso multilateralismo regional não consegue se organizar para um enfrentamento racional e conjunto da pandemia e para a busca coletiva de recursos vacinais e de tratamento.
Um fio de esperança para a ALC no anúncio de uma diplomacia da saúde mais vigorosa na Ibero-américa, feita pelos chefes de Estado de Espanha, Portugal e de todos os países latino-americanos reunidos na XXVII Cúpula Ibero-americana de Andorra, nesta semana. No dia 12 de maio, o seminário avançado do CRIS vai explorar o tema “Ibero-américa: Novo espaço para a diplomacia da saúde”, com altos dirigentes da SEGIB e de Estados-membros da organização.
Enquanto isso, todos os olhos estão voltados para a vacina contra o coronavírus. Contudo, falta este bem hoje tão precioso e tão negligenciado por alguns no início da pandemia. A triste figura de Pantagruel se alimentando fartamente, enquanto os demais nem migalhas recebem, é a imagem que nos vem à mente. Em Israel quase metade da população já foi vacinada; nos Estados Unidos, responsável por 23% de todas as vacinas aplicadas no mundo, mais de 210 milhões de pessoas já receberam a vacina, que está liberada para pessoas com mais de 16 anos, sem definição de prioridade. A indústria alcançou por esses dias 1 bilhão de doses produzidas e entregues. Apenas 10% do que se supõe ser necessário para vacinar com 2 doses um contingente de 5 bilhões de pessoas mundo afora que seriam prioridade imediata.

O debate sobre a liberação das patentes de produtos utilizados na pandemia – particularmente as vacinas – dominou o debate global, além evidentemente da falta geral de vacinas e da sua distribuição e acesso absolutamente inequitativos. Na OMC, a proposta de Índia e África do Sul, recebeu, por parte dos países desenvolvidos, a tradicional postura de rechaço a qualquer flexibilização patentária, o que segundo os proprietários desestimula a inovação, mas que esconde na verdade, o receio de que vejam reduzidos os altos faturamentos e lucros da indústria farmacêutica global. Ex-dirigentes mundiais e mais de 150 cientistas, personalidades e prêmios Nobel pediram à Biden que reverta a posição dos Estados Unidos neste ruidoso caso da suspensão das patentes em tempos de pandemia.

A outra temática que domina a cena global é a cúpula sobre o clima, convocada por Joe Biden para 22 de abril, Dia da Terra, primeiro grande ensaio para testar a pretensa liderança estadunidense na questão das mudanças climáticas, a caminho da COP26 em Glasgow no final do ano. Bem sabemos que clima é um determinante fundamental para a saúde humana e planetária. Nosso próximo informe trará uma análise detalhada do processo. Ademais, o CRIS debaterá as questões e proposições políticas, ambientais, diplomáticas e sanitárias levantadas na Cúpula no seminário avançado sobre “A caminho de Glasgow: Clima e saúde”, que realiza em 26 de maio, para os quais todos estão desde já convidados.

Este movimento no front externo não é suficiente para esconder a chaga aberta do racismo na sociedade americana, com a morte de mais um negro, agora por uma policial, no estado de Minnesota. Entretanto, o policial que assassinou Floyd foi condenado e deverá receber penas severas, um fato muito expressivo na história de milhares de outras mortes semelhantes. 
No campo global dos direitos humanos, destacamos a movimentação entre saúde global e o direito ao desenvolvimento, no âmbito do Grupo de Trabalho sobre o Direito ao Desenvolvimento do Conselho de Direitos Humanos da ONU e as duas prioridades de 2021, definidas pela Presidente do Conselho: o enfrentamento às desigualdades e a conexão da saúde humana e ambiental na gênese e impactos da pandemia de COVID-19. Igualmente relacionado está o debate de fundo sobre a relevância de proteções sociais realmente inclusivas e a discussão da nova arquitetura internacional das dívidas, assim como o financiamento internacional para o desenvolvimento.
Na América do Sul, tempos de renovação nas cadeiras presidenciais. No Equador, a eleição presidencial deu a vitória a um empresário conservador que derrotou o herdeiro político de Correa, enquanto, no Peru, se enfrentarão em segundo turno um professor de esquerda e a filha de um ditador corrupto, ela também com passagens nos porões da corrupção. 
A taxação de grandes fortunas vem sendo discutida na Argentina, México, Chile e Colômbia para viabilizar um espaço fiscal que resgate a imensa desigualdade e a pobreza que a pandemia nos está deixando como herança na região. Até o FMI, bastião histórico do neoliberalismo a reconhece como ‘opção na mesa’. Já no Brasil, com um dos sistemas tributários mais regressivos do planeta...
De outro lado, a valorização internacional das commodities petróleo, grãos e minério pode ajudar para que a ALC feche as contas externas em 2021 no azul, após 14 anos, o que traz algum alento para uma recuperação econômica pós-pandemia melhor para a região.

As Américas seguem sendo uma das regiões mais afetadas do planeta com 59,5 milhões de casos positivos e 1,43 milhões de óbitos. Na Reunião Ibero-americana de Ministros de Relações Exteriores, no âmbito da Cúpula Ibero-americana, foi adotada a Declaração e o Compromisso de Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Discutiram-se, também, 15 comunicações que articulam soluções para a recuperação sanitária, social e econômica da região. Em Andorra, os chefes de Estado dos países latino-americanos, Espanha e Portugal abriram a Cúpula com o foco em “restaurar e fortalecer o sistema global de saúde para uma melhor resposta diante de futuras pandemias”.

A LXXIII Sessão do PARLASUR aprovou declaração defendendo a acessibilidade universal da vacina contra a COVID-19 e sua distribuição equitativa. Nada de novo, talvez: muita retórica e pouca efetividade!
No Brasil, a notícia mais eloquente da quinzena foi a instalação da CPI sobre a pandemia pela Covid-19. Quando encerramos a escrita deste editorial, alcançávamos mais de 380 mil mortes e registrava-se oficialmente quase 15 milhões de casos da enfermidade – esta última cifra, pelo menos, reconhecidamente subnotificada. A falsa dicotomia entre medidas sanitárias e economia captura a essência do pensamento dominante no país. Os serviços de saúde continuam sob intensa pressão, agora não apenas com leitos, mas também com medicamentos essenciais para cuidados intensivos no limite absoluto do esgotamento. Na relação Brasil-China, o discurso de posse do novo chanceler brasileiro leva a certa détente das dificuldades: China sinaliza envio de doses da vacina Sinopharm ao Brasil e ajudará o pais a obter IFA para a produção da vacina Oxford/AZ.

Na Europa, de olho nas novas variantes, a UE busca soberania na produção de vacinas e maior e mais rápida capacidade de resposta a novas crises, com destaque para a preparação para as vacinas adaptadas. Curioso notar que os discursos começam a lembrar conceitos nossos, como cooperação estruturante e complexo econômico-industrial da saúde.
O G20, atualmente sob a presidência italiana, realizou reunião do grupo consultor para África, avaliando as respostas dadas à crise pelos países que aderiram ao “Pacto com a África” ou CwA e elevou o Grupo de Estudos sobre Finanças Sustentáveis a Grupo de Trabalho, dando maior relevância ao tema. Já a OCDE reitera seu discurso pelo livre-comércio como meio necessário para uma vacinação contra a COVID-19 no mundo. Divulgou relatório sobre ajuda oficial ao desenvolvimento em 2020, com pequeno avanço, mas totalmente insuficiente e abaixo da meta. Os detalhes estão no capítulo da página 37.
No cenário da pandemia, as festas religiosas, celebrações de Ano Novo das várias culturas e o Ramadã islâmico contribuíram para o aumento galopante da Covid-19 em muitos países da Ásia, Pacífico e Oriente Médio, principalmente Índia e Irã. Esse cenário confirma o que sabemos há muito tempo: distanciamento e uso de máscaras reduzem a transmissão da doença e só a vacinação pode conter a pandemia. Na Ásia segue lenta, mas no Oriente Médio – com exceção do Irã, boa porcentagem da população já está vacinada.

A União Africana realizou, durante dois dias, uma conferência virtual sobre a fabricação local de vacinas. O Brasil, único país de língua portuguesa convidado, foi representado pela Fiocruz, na pessoa da sua presidente. A OMS da região africana mantém confiança na vacina da AstraZeneca, tendo informado da não ocorrência, ainda, de casos de tromboembolismo. Os chefes de Estados e de Governo da África Austral (SADC) reuniram-se presencialmente em Maputo e decidiram sobre importantes medidas de enfrentamento comum do terrorismo em Moçambique. A União Africana (UA), a União Europeia (UE), a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento do Corno de África (IGAD) e as Nações Unidas (ONU) reuniram-se virtualmente para deliberar sobre o impasse político na Somália.
Muito dito, muito por dizer. Mas ao invés de estender pretensas boas sínteses nesta apresentação, melhor deixá-los diretamente com a narrativa crítica dos acontecimentos políticos da diplomacia da saúde que o pessoal do Cris/Fiocruz preparou com o intuito de contribuir para sua atualização neste campo fascinante da saúde global e da diplomacia da saúde.
*Coordenação do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz).

Acesse a íntegra do boletim com os artigos.

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