Retrocessos e mercantilização da vida, na política de drogas aprovada no Senado
O Senado aprovou em 15/5/2019 projeto de lei que altera a política de drogas, na contramão do que aponta a Lei da Reforma Psiquiátrica em vigor. O texto, de autoria do ex-deputado federal Osmar Terra, hoje ministro da Cidadania, é de 2013 – PLC 37/2013 – e foi aprovado da forma como veio da Câmara – as alterações que vieram sendo propostas ao projeto ao longo desses anos foram desfeitas pelo relator, senador Styvenson Valentim (Pode-RN, possibilitando que o texto siga, agora, direto para sanção presidencial.
O projeto prevê a possibilidade de internação compulsória de usuários de drogas e incorpora ao Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) as comunidades terapêuticas, locais onde já foram detectadas várias formas de violações de direitos – de restrições ao convívio social a trabalhos forçados e barreiras à locomoção [ver aqui].
São trazidas de volta medidas como a internação involuntária – isto é, sem o consentimento do usuário –, por até 90 dias, solicitada pela família ou por servidor público da área da saúde, assistência social ou órgãos públicos integrantes do Sisnad. Para interromper o tratamento, torna-se necessário parecer de um médico – hoje essa é uma prerrogativa da família.
Está prevista, ainda, a abstinência, como objetivo de tratamento da dependência química, em vez da política de redução de danos sociais e à saúde dos usuários de drogas.
O texto vai na contramão também do relatório da ONU, de 2018, que propõe uma abordagem para controle de drogas baseada em políticas que foquem nas pessoas, na saúde e nos direitos humanos e exortou os países a mudarem suas leis para promover alternativas à punição.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Cristiano Maronna, resumiu: “É a massificação de uma política higienista”. E observou: “Ainda que no papel esteja dito que a internação involuntária é só em último caso, muitos senadores dizem que é preciso tirar os dependentes da rua, porque senão não vai acabar o tráfico de drogas. Não é preciso ser muito esperto para saber que vai se intensificar o confinamento de usuários de drogas", afirma.
“As comunidades terapêuticas nada têm de comunidade e muito menos de terapêuticas”, observa o sanitarista Paulo Amarante, em uma das muitas análises que fez no blog do CEE-Fiocruz sobre os retrocessos que se anunciam sobre a Política de Saúde Mental e a Reforma Psiquiátrica. “É o retorno à política privatizante, de mercantilização da vida, voltada a interesses que não visam à saúde, mas à obtenção de lucro”, analisa.
Clique nos links abaixo para assistir a vídeos com Paulo Amarante e ler mais sobre os retrocessos na Política de Saúde Mental.
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