Relatório da OMS: Saúde para Todos norteando a Economia
Na mesma semana do lançamento da estratégia nacional para o desenvolvimento do CEIS, foi lançado no Brasil a versão em português do relatório Saúde para Todos: transformando economias para fornecer o que importa, elaborado pelo Conselho de Economia da Saúde para Todos da Organização Mundial da Saúde, em resposta à pandemia de COVID-19. O relatório foi divulgado originalmente em inglês, em maio de 2023, durante a 76ª da Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra. A tradução para português do relatório foi feita pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz (CEE-Fiocruz) e o Ministério da Saúde.
Constituído pelo diretor da OMS, Tedros Adhanom, com o objetivo de colocar a Saúde para Todos no centro do debate mundial sobre os rumos do crescimento econômico, o conselho é composto apenas por mulheres, presidido pela economista Mariana Mazzucato.
O documento propõe uma mudança de rumo para reorientar as economias a serviço da saúde para todas as pessoas, mostrando, como sublinhou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, que “economia e saúde precisam caminhar juntas”.
O evento reuniu Mariana Mazzucato; a ministra Nísia Trindade; a ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, e a representante da Opas/OMS no Brasil, Socorro Gross. A moderação foi do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde (Sectics/MS), Carlos Gadelha.
Nísia e Gadelha destacaram a contribuição de Mazzucato como referência no entendimento do Estado como empreendedor e na ruptura de paradigma com a economia tradicional. “Ela contribuiu muito para o marco teórico, conceitual e para a concepção da política que sustenta o Complexo Econômico e Industrial da Saúde”, disse Gadelha.
Para o secretário, Mazzucato inaugura uma nova filosofia ao pensar a política industrial orientada por missão, por desafios nacionais. “Isso nos estimula muito e nos faz indagar qual o objetivo, para quem e onde se faz a inovação”, considerou.
“A missão na saúde tem que ser transformar a vida das pessoas com qualidade, garantir qualidade de vida”, disse Nísia, ressaltando a importância que o governo Lula dá ao tema, ao sublinhar que o Complexo Econômico-Industrial da Saúde brasileiro é muito mais do que uma política setorial. “É uma política para um Brasil soberano, que possa cuidar de forma adequada da sua população”.
Nísia explicou que o relatório trata de princípios como solidariedade e soberania, a partir de uma visão atualizada, e traz uma análise da situação e dos desafios para a saúde, a partir de três crises interligadas, que são a saúde, a desigualdade e o clima”, oferecendo um conjunto de 13 recomendações.
Como primeira recomendação do documento, a ministra salientou a valorização do essencial: tratar a saúde, o bem-estar, os profissionais de saúde e os sistemas de saúde, como um investimento de longo prazo, e não como um custo de curto prazo. Essa recomendação, segundo ela, sintoniza-se com a visão do atual governo. “Nós sempre falamos, no Brasil, como um mantra, que não se trata de ver a saúde como gasto, e sim como investimento”.
No entanto, a ministra avalia que é preciso reforçar no país a visão que a saúde dá base para a sustentabilidade e que é preciso pensar, além dos desafios de curto prazo, nos desafios de longo prazo, no futuro.
Nísia chamou a atenção para o fato de a nova política industrial do país, coordenada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, ser orientada por missões, e ter uma visão sistêmica, integrada, para que seus objetivos possam ser alcançados. Essa forma de pensar, ressaltou a ministra, está alinhada com a nova perspectiva para as economias mundiais apresentada no relatório da OMS.
A eliminação de doenças negligenciadas como a tuberculose – ou “doenças de populações negligenciadas”, como prefere a ministra – pauta levada pelo Brasil à Assembleia Geral da ONU, é um dos exemplos de ação política, trazidos por Nísia. A questão, observa ela, envolverá uma nova abordagem para o seu enfrentamento. “É impossível fazer isso setorialmente, então se construiu um grupo interministerial, e cada ministério [está] sendo desafiado a pensar qual a contribuição de sua área para sua eliminação”. O tema pauta um dos seis programas que compõem a Estratégia do CEIS.
A ministra sublinhou que o cuidado é a marca do governo Lula, “um governo que cuida”, afirmou. E exaltou a importância do apoio do Congresso Nacional em ações com a vacinação no país. “Acreditamos firmemente que temos que trabalhar juntos para o grande desafio democrático e inclusivo no nosso país”.
Por último, Nísia destacou que, com a nova política industrial integrando um projeto de soberania, o Brasil pode dar uma contribuição decisiva para a sua própria população e para uma nova ordem mundial, na qual a economia e as outras dimensões da vida sejam pensadas “para fortalecer o bem-estar, fortalecer sociedades fortes e resilientes”. Para isso, a ministra salientou a necessidade de “Estados fortalecidos e renovados”.
Mazzucato que, também, marcou presença no lançamento da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, em 28/09, observou que as sete missões definidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) – entre elas, um complexo da saúde resiliente –, podem, todas elas, falhar se continuarmos a governar “do jeito antigo”. Ela defendeu uma nova dinâmica administrativa e incremento da governança digital. “O passo revolucionário no estabelecimento do Conselho de Economia da Saúde para Todos da Organização Mundial da Saúde (OMS), sobre o qual se trata esse relatório, é indagar: se saúde para todos é o objetivo, o que isso significa para a economia?”.
No passado, pontua Mazzucato, a relação entre economia e saúde havia sido desenhada de forma diferente; dizia-se que investir na saúde era até bom para a economia. “Não! Se saúde para todos é o objetivo, o que isso significa para o financiamento, para a forma como inovamos e estruturamos os direitos de propriedade intelectual? O que isso significa quanto às condições a serem estabelecidas entre entidades públicas e privadas? Que tipo de capacidade de implementação administrativa do setor público é requerida?”.
Trata-se, observou a economista, de uma reestruturação da economia de modo a alcançar o objetivo de saúde. Ela lembrou que as recomendações do relatório resultam da análise empreendida de como valorar saúde para todos. “Não sabemos valorar o cuidado. Na Covid-19, muitos países consideraram os trabalhadores de saúde como essenciais, mas esqueceram de tratá-los como essenciais”.
Mazzucato lembrou que “há muito dinheiro no mundo, mas não estamos estruturados para uma orientação por objetivos”. Ela considerou “muito importante”, o Brasil contar com um banco público, o BNDES, e indagou: “O que a proposta de saúde para todos como objetivo significa para um banco público? Como este oferece empréstimos a diferentes setores, quando saúde para todos é o objetivo?”.
Outra questão trazida pela pesquisadora refere-se à inovação. Ela lembrou que, durante a pandemia, algumas empresas, como a Pfizer, “não estavam dispostas a compartilhar o conhecimento”. Já outras, como a AstraZeneca, que produziu a vacina contra a Covid-19, estavam. “Por quê? Porque os pesquisadores da Universidade de Oxford contavam com financiamento público”.
Mazzucato destacou as lições obtidas da “relação histórica entre a Fiocruz e o Ministério da Saúde”, observando que o Brasil foi um dos poucos países que associaram inovação e cuidado à saúde. “Geralmente, temos pessoas que se preocupam com o cuidado, a pobreza, o bem-estar e a saúde, de um lado, e as pessoas da inovação de outro. No Brasil, a parceria entre a Fiocruz e o Ministério da Saúde por anos, e, especialmente, agora, com a agenda ambiciosa que vocês têm aqui, é radical, enfrenta o status quo. Essa dicotomia é falsa”.
Ela considerou “uma honra” o lançamento da versão brasileira do relatório se dar na mesma semana em que foi lançada a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do CEIS e destacou uma fala do presidente Lula. “Ele disse: ‘não estamos lançando uma política industrial para o setor da saúde. Isso é antigo. Fizemos isso o tempo todo. Hoje, nós estamos decidindo que queremos ser uma grande nação. E, como uma grande nação, como uma nação ambiciosa, nós precisamos produzir e inovar para aumentar a qualidade de vida dos nossos povos’. Isso é ambicioso, não é? A saúde no centro do crescimento econômico, no centro de uma estratégia industrial, em que o bem-estar requer a articulação de diferentes setores trabalhando juntos”.
Em sua exposição a ministra Esther Dweck destacou o tema do relatório, lembrando que na pandemia da Covid-19 o mundo passou a entender a importância da saúde pública e da saúde para todos. “Não dá para simplesmente ligar e desligar o Estado”, disse, “parafraseando Mariana Mazzucato” e observando que, diante de uma emergência sanitária, o Estado precisa ser ágil. “É preciso preparar o Estado para situações que exijam rápida reação e esse é um dos objetivos do Ministério de Gestão e Inovação: prover um Estado novo e mais dinâmico”, salientou.
A ministra enfatizou, ainda, a importância de o fortalecimento das ações do Estado se dar priorizando-se a área da saúde. Ela cita o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como importante aliado, pois resgata e amplia investimentos em infraestrutura no país, a fim de atender todas as esferas da federação. “Principalmente, após o período recente da pandemia, em que tivemos a destruição de instrumentos importantes do Estado".
A ministra explicou, que o Novo PAC alavancará áreas estratégicas em que o SUS precisa ser fortalecido, “um impacto gigantesco do ponto de vista da qualidade de vida da população”.
Socorro Gross destacou a importância de uma gestão pública que prioriza a equidade e o bem-estar e enfatizou a relevância do lançamento do relatório Saúde para Todos, que, segundo ela, marca um avanço importante ao se pensar saúde e economia juntas. “É diferente do passado, quando tínhamos que demonstrar os benefícios da saúde para a economia. Como diz o relatório, não existe economia sem uma sociedade que seja justa para todos. É uma ruptura”.
Socorro Gross citou o teor do relatório ao observar que precisamos de uma economia que preserve o que nós somos, nosso planeta e o entendimento de que somos como um organismo multilateral. “Não alcançamos isso no tempo da pandemia”, lembra, afirmando que a economia, ao se autorregular, não se centra nesse processo. “É um aprendizado grande para nós que acreditamos que o multilateralismo tem que ser justo, tem que ser para o desenvolvimento de todos os países e para todas as pessoas”.
Conheça os quatro eixos orientadores do Relatório Saúde para Todos e suas recomendações
Valorização: é preciso valorizar e medir o que importa utilizando novos parâmetros econômicos;
Financiamento: financiar a saúde para todos como um investimento a longo prazo, não como um custo a curto prazo;
Inovação: promover a inovação na esfera da saúde para o bem-comum;
Fortalecimento da capacidade: reforçar a capacidade dinâmica do setor público para proporcionar saúde para todos.