Por que o Brasil precisa de um Estado gastador
As pessoas que acompanham o noticiário econômico devem ter notado uma recorrente frustração nas expectativas de recuperação da geração de emprego e de atividade econômica nos últimos 4 anos. A cada final ou início de ano, uma caudalosa onda de boas expectativas é derramada nas páginas dos jornais e nos noticiários televisivos para, ao longo do ano, serem rapidamente esvaziadas pela realidade terrível do desemprego (na casa dos 11 milhões no chamado desemprego aberto e na casa dos 24 milhões subutilizados) e do baixo crescimento econômico (em 2018, dizia-se esperar 2,5% chegou-se a 1,3%; no início de 2019, esperava-se novamente 2,5% e existem dúvidas se chegará a 1%). Pelo andar da carruagem, estamos absurdamente desgraçados!
Antes de apresentar a razão de nossa desgraça, olhemos algumas informações primeiro. Numa economia capitalista, ou que se produza para vender no mercado, o volume de emprego e a consequente produção é estimulada pelas vendas correntes mais as expectativas de vendas futuras. A produção corrente total de uma economia, ou o seu PIB, é igual a soma das despesas em consumo pelas famílias (C), em investimentos pelas firmas(I, que inclui também a variação de seus estoques), aos gastos do governo (G) e as exportações líquidas (X-M que são as exportações, que aumentam as rendas domésticas, menos as importações, que diminuem as rendas domésticas) nas transações com o exterior. Em textos acadêmicos ou em salas de aula, usamos escrever essas relações assim:
Chamamos a atenção para o fato de que as maiores taxas de crescimento do PIB no Brasil estão relacionadas com o crescimento da demanda interna. Isso significa que, mesmo que as exportações cresçam acima do PIB e das demais componentes de demanda elas não são suficientes para elevar o crescimento do PIB acima de sua média. É o que tem ocorrido nos últimos 4 anos quando as exportações cresceram acima de 4% na média anual, enquanto o PIB decresceu no período (-0,9% na média anual).
Já a demanda interna – composta pelo consumo das famílias, dos investimentos e dos gastos do governo – comanda o crescimento do PIB brasileiro. Nos quatro anos de 2015-2018, os dados da tabela mostram que o péssimo desempenho do PIB decorreu de decréscimos ou baixo crescimento da demanda doméstica. No ano de 2018, consumo e investimento voltaram a ter crescimento positivo, mas incapaz de fazer o PIB crescer perto dos 2,5% que se anunciava no início do ano. Vendas rastejantes não animaram os empresários a contratar, e o desemprego continua sendo uma epidemia entre os trabalhadores brasileiros. Ademais, com taxas de uso da capacidade produtiva da indústria ao redor de 75%, teoricamente os empresários ainda têm capacidade de ampliar a produção em 25%, até que todas as suas máquinas e equipamentos estejam operando 24 horas no dia. Portanto, é difícil crer que os empresários vão criar mais capacidade produtiva através de investimentos em novas máquinas e equipamentos antes que suas atuais instalações estejam operando em ritmo mais rápido. Por este mesmo motivo, a recorrente aposta em baixas taxas de juros no intuito de incentivar novos investimentos também não terão efeito sobre a atividade econômica, como tem sido notado correntemente. A ocupação da capacidade produtiva ociosa depende fundamentalmente da retomada do consumo. O consumo, por seu turno, depende do nível de emprego e salários, que não devem se recuperar de forma consistente antes do crescimento do investimento – ainda que estímulos pontuais como a liberação do FGTS possam ter efeitos positivos momentaneamente. Estamos, assim, num impasse que perpetua o baixo crescimento.
De todos os componentes da demanda, apenas os gastos do governo continuam ao redor do crescimento zero ou negativo nos últimos 4 anos. E este é o problema, um enorme problema. A partir de 2016, estabeleceu-se a regra fiscal de crescimento real nulo para os gastos do governo por meio da PEC do Teto dos Gastos. Difundiu-se a ideia de que restringido o crescimento dos gastos públicos, o setor privado comandaria o crescimento por meio do consumo e do investimento. Pelas razões anteriormente mencionadas, mesmo quando algum crescimento do gasto privado foi observado, ele tem tido vida curta (como está tendo).
As reformas trabalhista e previdenciária assim como o Teto dos Gastos são empecilhos concretos para que possamos caminhar na direção do progresso
No segundo pós-guerra, quando experimentamos nossa grande onda de industrialização do país, o governo assumiu a liderança no processo de transformação da economia. Com gastos em investimentos, crédito de longo prazo através dos bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica e vários bancos regionais de desenvolvimento) e criação de estatais, o governo garantia um crescimento quase permanente de seus gastos. O investimento privado seguia as oportunidades abertas multiplicando o efeito inicial produzido pelos gastos e incentivos públicos. O efeito multiplicado sobre a renda provocava um efeito arrecadador ainda maior de receitas públicas. Entretanto, quando o governo limita o crescimento de seus gastos, o setor privado não compensa aumentando os seus. Ao contrário, recorrentemente, na década de 80, de 90 e nos últimos quase 10 anos, o que se vê é a retração do gasto público sendo acompanhada pela retração do gasto privado.
Isso não deveria ser nenhuma novidade, uma vez que gastos públicos são receitas privadas. Déficits públicos são superávits privados. E dívida pública é ativo privado. Isto implica que enquanto o setor público estiver crescendo seus gastos, o setor privado verá aumentadas as suas receitas. Por outro lado, se o governo está impedido de crescer seus gastos em termos reais, o crescimento da economia fica condicionado pelo crescimento dos gastos do setor privado. Como estes não podem crescer permanentemente sem aumentar o endividamento do setor privado, o crescimento está fadado a ser baixo e sujeito a grandes flutuações. Ou, como na nossa situação corrente, o excesso de capacidade ociosa leva à redução da taxa de crescimento do investimento ao nível meramente (na melhor das hipóteses) da reposição do estoque de capital.
A situação da economia brasileira é crítica. Precisamos urgentemente de um programa público de pleno emprego das hordas de trabalhadores desempregados (mais de 24 milhões de pessoas subempregadas!) com crescimento dos salários para promover uma economia mais justa e igualitária. Junto a isso, precisamos de um programa de investimentos públicos que transformem nossa economia, como fizemos no pós segunda guerra. Agora, entretanto, precisamos de um volume ainda maior de investimentos do que naquela oportunidade, uma vez que os desafios tecnológicos são muito maiores (pois estamos muito mais atrasados do que antes) e as necessidades ambientais são, atualmente, muito mais prementes. Nada disso, pelo contrário, está no horizonte do que tem acontecido na economia brasileira nos últimos 5 anos e as reformas trabalhista e previdenciária assim como o Teto dos Gastos são empecilhos concretos para que possamos caminhar na direção do progresso.
*Fabiano Dalto é professor associado do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da mesma universidade.
Publicado por Outras Palavras, em 14-02-2020.
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