O Estado do Rio de Janeiro e o Complexo Industrial da Saúde: desafios e potencialidades
“Não podemos mais tratar a saúde sem a considerar um mega sistema produtivo da Nova Economia”, afirma o economista Carlos Gadelha, coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, no último encontro do Pensa Rio, organizado pela Firjan e transmitido on-line no dia 27 de março de 2021. O evento – Nova Economia: O Rio pode sediar o complexo industrial da saúde? – buscou discutir desafios e potencialidades para o estado do Rio de Janeiro, tendo como foco o papel do conhecimento, da inovação e da produção industrial em saúde. Com curadoria de José Luiz Alquéres, presidente do Conselho Estratégico da Casa Firjan, e mediação de Julia Zardo, gerente de Ambientes de Inovação da Firjan, o debate reuniu além de Gadelha, o presidente da iniciativa FIS (Fórum de Inovação e Saúde) e especialista em crise na saúde, Josier Vilar, e a professora e pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ, Julia Paranhos.
Ao sublinhar a dramática situação dos 19 milhões de brasileiros que atualmente têm fome e os 27 milhões de brasileiros que estão vivendo abaixo da linha da pobreza, Gadelha defendeu os investimentos no Complexo Industrial da Saúde como alternativa para o desenvolvimento. “Temos um futuro para construir que é um novo paradigma que alia a inovação, a sustentabilidade ambiental e o cuidado com as pessoas”.
No cenário traçado pela Nova Economia, conceito cujas premissas são o uso da inteligência artificial, do big data, a promoção do bem estar social e a preocupação ambiental, o economista explicou que o Rio de Janeiro tem “um potencial imenso” de liderar esse novo paradigma de desenvolvimento no Brasil e ser a capital do complexo da saúde. “Temos aqui, na área pública, o Inca [Instituto Nacional do Câncer]; o Into [Instituto de Traumatologia e Ortopedia]; o INI [Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas]; o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente [IFF/Fiocruz] – institutos nacionais que determinam o padrão tecnológico do país; a Fiocruz, e um setor privado que temos que fortalecer”.
Josier Vilar pontuou que o primeiro caso de coronavírus no Brasil, detectado em março de 2020, marcou o início do século XXI para o país. A pandemia, segundo ele, permitiu que os brasileiros se apropriassem de siglas como IFA (ingrediente farmacêutico ativo) e PNI (Programa Nacional de Imunizações) e refletissem não somente sobre a dificuldade de comprar da Índia e da China os insumos farmacêuticos ativos, mas sobretudo sobre “por que nós dependemos dessa importação para produzir imunizantes ou qualquer outro tipo de medicação que possa ser desenvolvida no país”.
O Brasil, que já foi um grande produtor de insumos, vem perdendo capacidade de produção tecnológica. “Hoje, apenas 5% desses insumos são produzidos no país. Há 40 anos, eram 55”, explicou.
Para que o país consiga retomar essa capacidade, é preciso haver interesse econômico de investimento. Em sua opinião, por suas características, o Rio de Janeiro tem muitos atrativos para o desenvolvimento da área da saúde. “Não podemos nos fixar em fábrica de automóvel e em prospecção de petróleo para o futuro de nossas gerações. Chegou a hora da tecnologia e da inovação, e o Rio tem que aproveitar esse momento”, afirmou.
O investimento em inovação e em desenvolvimento tecnológico irá possibilitar a diminuição da dependência internacional do país por produtos industrializados e insumos, “além de gerar trabalho e renda”, diz Gadelha.
A necessidade de redefinição das cadeias mundiais de produção passou a ser, diante dos riscos de endemias e pandemias cada vez mais frequentes e da ocorrência de eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas, um consenso entre os economistas, ressaltou Álqueres. “Países do tamanho do Brasil precisam ter um grau de autonomia maior em relação à produção industrial”, afirmou.
Para Júlia, a pandemia ofereceu a oportunidade de as pessoas pensarem as demandas da saúde e formas de atendê-las. “Espero que a gente consiga aproveitar essa oportunidade para debater e criar estratégias de políticas de longo prazo que permitam termos respostas para o futuro”. É preciso, segundo a pesquisadora, que o país se prepare para uma mudança do perfil epidemiológico brasileiro e para a ampliação do número de pandemias, assim como de sua frequência, já prevista por especialistas.
Ela ressaltou o potencial que a cidade do Rio de Janeiro tem na área da saúde. “O Rio de Janeiro é o segundo estado com o maior número de empresas farmacêuticas e farmoquímicas. Possui cinco laboratórios oficiais que fazem parte da rede pública de laboratórios e fornecem medicamentos, imunizantes e soros para o SUS”. Júlia falou, ainda, das instituições de ensino e pesquisa que o estado reúne e que podem ser aproveitadas para o desenvolvimento de inovação. “Temos três universidades estaduais, sete instituições federais, entre universidades e institutos federais, temos institutos de pesquisas como o CNEN, o Inca e a Fiocruz”.
Apesar de todo esse potencial, observa, a indústria farmoquímica no estado, a partir da década de 90, veio encolhendo. “As políticas da década de 90, com a abertura comercial e a implementação antecipada da lei de propriedade intelectual tiveram efeito bastante perverso sobre o desenvolvimento da indústria farmoquímica. Entre 1995 e 2019, houve uma queda de 80% nos estabelecimentos e uma redução de 50% do emprego no setor”.
Para reverter esse quadro e aproveitar a capacidade científica e tecnológica instalada no estado, a pesquisadora propôs a implementação de políticas de longo prazo para o setor, contemplando, também, projetos de biotecnologia, que, em sua opinião, terão um papel fundamental da nova economia. Tais projetos, segundo Paranhos, por suas especificidades, exigem maiores investimentos e prazos mais extensos.
Além disso, ela sublinhou a importância de haver maior articulação entre as instituições de ciência e tecnologia, e as indústrias, tanto para o desenvolvimento de projetos inovadores, como para um melhor aproveitamento dos recursos humanos, evitando se perder mão de obra qualificada para outros estados. “A visão sistêmica do Complexo Industrial da Saúde requer a articulação entre os diversos atores, incluindo os governantes e o poder legislativo, para se propor estratégias e ações que possibilitem, dado o aumento das demandas, a utilização das novas tecnologias para impulsionar o desenvolvimento industrial do estado”.
Em relação às novas demandas, ressaltadas com a chegada da atual pandemia, Vilar sugeriu a construção de um sistema de vigilância epidemiológica nacional, com uso cada vez maior de inteligência artificial e big data, que permita o país se preparar melhor para a chegada de novas pandemias. “O Rio de Janeiro tem que ser esse ambiente propositivo e formulador de novas soluções para as crises sanitárias que iremos enfrentar”.
Gadelha reforçou, também, a importância do uso das novas tecnologias na área da saúde. “A atenção básica hoje não é mais a do soro caseiro do século passado, é a da tecnologia da informação, com o uso da inteligência artificial para que providências sejam tomadas antes do aparecimento da doença”.
Para concluir, ele diz que o Rio de Janeiro tem todas as “peças do quebra-cabeça” para se tornar referência nacional na indústria da saúde. “Se montarmos as peças com decisão política e articulação do Estado com o setor produtivo e empresarial, dá para fazer”. O pontapé inicial para que isso aconteça, lembra, foi dado com a aprovação, em abril, da Lei 9244, que estabelece margem de preferência para contratação de serviços e de aquisição de bens, produtos ou insumos relacionados à área de saúde, feitos pela administração pública direta e indireta, de indústrias e produtores instalados em território fluminense. “Uma ação suprapartidária da Alerj, colocando o Complexo Industrial da Saúde como prioridade”, explicou Gadelha.