Maria Lucia Fattorelli: A Previdência Social não é problema, é solução
“O discurso da moda é o fim do privilégio. Mas na realidade a PEC 6/2019 retira um trilhão dos mais pobres. Cerca de 870 bilhões sairão do Regime Geral da Previdência, do INSS. Nesse regime, a imensa maioria dos beneficiários recebe até dois salários mínimos. Os privilegiados do Brasil são os bancos, e serão eles que novamente ganharão com essa PEC da Previdência”. A afirmativa é da coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida Maria Lúcia Fattorelli, ex-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal em entrevista ao blog do CEE-Fiocruz.
De acordo com Fattorelli, a previdência social não é problema é solução. Está inserida, com a Saúde e Assistência Social, na Seguridade Social, um conjunto de ações protegidas pela Constituição brasileira, como mostra artigo 194, cujo financiamento está garantido no artigo 195. “Quem fala em déficit da Previdência nunca leu o artigo da 195, que diz que o financiamento da Seguridade Social será garantido pelos governos, pelo orçamento fiscal e pelas contribuições sociais”, explica.
Os privilegiados do Brasil são os bancos, e serão eles que novamente ganharão com essa PEC da Previdência
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Segundo a auditora, a população só escuta falar de déficit e que não tem dinheiro, isso desmobiliza as pessoas e as fazem aceitar os cortes, mas o déficit é uma grande mentira. “Desde a promulgação da Constituição, até 2015, as contribuições sociais deram conta de todo gasto com a Seguridade, e ainda sobravam, todo ano, dezenas de bilhões de reais, que foram desviados pela DRU (Desvinculação de Receitas da União) e por outros mecanismos, principalmente, para pagar os juros da chamada dívida pública”, observa.
O problema nunca esteve na Previdência Social, mas na política monetária do Banco Central. É aí que está e sempre esteve o déficit
Fattorelli observa que a partir de 2016, o governo precisou completar esse gasto, porque entramos numa crise fabricada, que derrubou a economia brasileira. “O PIB do Brasil caiu em 7% em apenas dois anos, 2015 e 2016. As empresas brasileiras começaram a quebrar, levando milhões de pessoas ao desemprego, à informalidade. Empresa quebrada não paga imposto, pessoa desempregada não paga suas contribuições”, destaca.
De acordo com a auditora, historicamente, o problema nunca esteve na Previdência Social, mas na política monetária do Banco Central. “É aí que está e sempre esteve o déficit, no gasto com juros abusivos e outros mecanismos de política monetária, como a remuneração da sobra de caixa dos bancos, um escândalo que custou mais de um trilhão nos últimos dez anos. O trilhão que a reforma quer arrancar das aposentadorias e pensões”.
A Reforma vai arrancar um trilhão da nossa economia, vai afetar os pequenos municípios, as economias locais. Em vez de resolver o problema das finanças públicas, vai agravar
Para ela, os benefícios pagos pela Seguridade Social a todas as situações de vulnerabilidade movimentam a economia. "À medida que uma pessoa adquire um produto, o comerciante gira o seu negócio, paga tributos. A Reforma vai arrancar um trilhão da nossa economia, vai afetar os pequenos municípios, as economias locais. Em vez de resolver o problema das finanças públicas, vai agravar". E alertou: “O modelo de capitalização que está previsto na PEC é o de contribuição definida, ou seja, para os que optarem, será obrigatória, e o valor será definido em lei. Mas só a contribuição fica definida. O benefício dependerá do mercado. E pode ser zero! Se a aplicação dos recursos das contribuições dá errado, todo o risco é transferido à classe trabalhadora. Isso nem poderia ser chamado de Previdência. Previdência é sinônimo de segurança. Essa é uma aplicação financeira, individual, de alto risco, alto custo e sem garantia alguma no futuro. E está dando errado no mundo inteiro. (Daiane Batista/CEE-Fiocruz)