Ligia Bahia: ‘A doação de sangue no Brasil segue um caminho de solidariedade; pensar na privatização desse sistema é algo superado'
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, em 04/10/23, a proposta de emenda à Constituição nº 10 de 2022 (PEC 10/2022), a chamada PEC do Plasma. Ainda em tramitação para deliberação no Plenário, a PEC pretende derrubar o preceito constitucional de que a coleta, manipulação e distribuição de sangue e seus derivados, como o plasma humano, devam estar sob controle do Estado e abre espaço para a participação da iniciativa privada, o que inclui remuneração às pessoas que doarem sangue.
Em comentário ao CEE Podcast, a pesquisadora Ligia Bahia, professora da UFRJ, explica como se deu ao longo da trajetória do SUS a doação de sangue no Brasil e destaca os acertos e desafios na construção de “um caminho virtuoso”, desde a legislação de 1988.
“Temos uma legislação sobre sangue no Brasil que é muito derivada do SUS; é muito interessante esse processo. Tinhamos bancos de sangue totalmente privados, que acumularam vários escândalos de contaminação. Um horror! Não só no Brasil, mas em outros lugares do mundo”, lembra a pesquisadora, destacando o surgimento da Aids e a contaminação por transfusão de sangue que explodiu no mundo inteiro.
A doação de sangue no Brasil, até os dias de hoje, observa Ligia, segue um caminho de solidariedade. Para ela, pensar na privatização desse sistema é desconsiderar tudo o que, ao longo dos anos, já havia sido superado.
A pesquisadora explica ainda, que em prol de reduzir a dependência do Brasil em relação ao mercado externo no setor de hemoderivados – medicamentos que têm como matéria-prima o plasma humano, um dos componentes do sangue –, o Ministério da Saúde cria a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) em 2004, pois “já se tinha a ideia do quão caro era continuar importando hemoderivados para tratar diversos problemas de saúde”.
Como observa Ligia, “enquanto não conseguimos ter a Hemobrás funcionando plenamente, fazemos acordos com empresas fabricantes de hemoderivados, trocar plasma por hemoderivados com preços menores em relação aos importados. É um caminho, de qualquer forma, e está “no mesmo trilho”. Uma longa trajetória, mas impressionantemente bem-sucedida”, avalia. Ampliando a Hemobrás, mantemos esse caminho. E é esse o caminho, não há outro. Conseguir produzir no Brasil os hemoderivados e adquirir soberania, no que diz respeito à segurança desse processo”, salienta.
Ainda segundo Ligia, não há uma saída fácil. Mesmo diante da previsão de investimentos no parque da Hemobrás, há, ainda, uma restrição fiscal no país a ser enfrentada. “Temos uma política macroeconômica que não é uma política de expansão de investimentos para as áreas sociais. Não por enquanto”, avalia.
Nesse sentido, considera, ter a velocidade e o ritmo desses investimentos compatíveis com as necessidades de saúde é “um desafio imenso”, e poder produzir via “SUS com preços menores é fundamental para ampliar o acesso, não apenas para os hemoderivados, mas para outras necessidades de saúde”.
*Edição de áudio e locução: Lincoln Xavier.