Fernando Pigatto: ‘A luta pelos espaços de participação social é permanente’
A experiência ao longo das décadas já demonstrou: mais participação social é sinônimo de mais avanços nas políticas públicas e melhores consequências para a maioria das pessoas. Da mesma forma, decisões tomadas entre quatro paredes só tendem a beneficiar uma minoria e seus interesses. A constatação do presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, é também combustível para uma luta permanente pelo fortalecimento do controle social do Sistema Único de Saúde. “Temos um acúmulo de três décadas que nos autoriza a constatar que nos momentos de maior participação é que avançamos em mais garantias de direitos”, observa Pigatto, nesta entrevista para o blog do CEE-Fiocruz, também registrada em vídeo.
É na busca por cada vez mais espaços de participação social consolidados que, pela primeira vez, nas etapas preparatórias em andamento para a 17ª Conferência Nacional de Saúde, que se realizará de 2 a 5 de julho de 2023, as conferências livres de Saúde terão caráter deliberativo e eleição de delegados, uma “virada histórica no processo das conferências”, como considera Pigatto. “Dezenas de conferências livres estão se realizando, das mais variadas temáticas, no Brasil inteiro, e que terão suas propostas discutidas durante a 17ª, e seus delegados participando como atores e atrizes desse processo”, celebra ele, que está em seu segundo mandato à frente do CNS e tem assento como representante do movimento comunitário, pela Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam).
Também nesse processo de luta permanente, teve início em abril de 2023 o curso de Formação em Monitoramento e Avaliação para o Controle Social no SUS, fruto de colaboração entre Fiocruz e Conselho Nacional de Saúde, com objetivo de os conselhos desenvolverem estratégias para acompanhar a trajetória das deliberações das conferências nacionais de Saúde. A iniciativa atende proposta deliberada na 16ª Conferência, realizada em 2019, e está em sintonia com a Lei Orgânica da Saúde (Leis 8.080 e 8.142/1990), que institucionaliza a participação da sociedade na fiscalização e cumprimento dos preceitos constitucionais. Pigatto é um dos participantes do curso, por sinal. “Não é por estar na presidência do Conselho que a gente sabe tudo”, disse no evento de lançamento.
Embora frisando que se trata de momentos históricos distintos, o presidente do CNS traça, na entrevista, paralelos entre o alvorecer democrático da década de 1980, com a realização da 8ª Conferência (1986), e o momento atual, de retomada da democracia, após a crise de caráter multidimensional observada nos últimos seis anos. “Tivemos perseguição, criminalização da participação social, dos movimentos, e, além de não haver os avanços pelos quais lutamos, retrocedemos. Mas, mesmo nesses seis anos, ninguém parou de lutar”.
Leia a entrevista a seguir.
É possível dizer que os desafios do controle social, hoje, são os mesmos observados quando da criação do SUS? De que forma o controle social veio sendo exercido ao longo das décadas?
Luta sempre houve, em todos os momentos da história. O processo de implementação do controle social é permanente, desde antes de o SUS existir. O movimento da Reforma Sanitária e os movimentos populares que participaram da construção daquilo que resultou na 8ª Conferência Nacional de Saúde [em 1986] representaram um momento histórico, depois de uma ditadura cívico-militar – em que pesem os limites e quanto ao que poderia ter avançado ainda mais e que, naquele momento, foi o possível e uma grande vitória. A institucionalização do SUS, sua regulamentação pela Lei 8.080/1990, se deu com muita disputa. Estamos agora, novamente, numa luta, ainda que em um cenário histórico diferente, para que os espaços de participação sejam reestabelecidos. Desde o golpe de 2016, tivemos perseguição, criminalização da participação social, dos movimentos, e, além de não haver os avanços pelos quais lutamos, retrocedemos. Mas mesmo nesses seis anos, ninguém parou de lutar. Quando alguém diz que precisamos voltar, eu respondo que só precisa voltar aquele que saiu. E a gente nunca saiu.
Como avalia esses últimos seis anos, do ponto de vista da participação da sociedade nos destinos do país?
Passamos por um período diferente em seus aspectos de imposição de repressão, mas tivemos tortura, tivemos morte, tivemos perseguição. Em outros formatos, mas houve. Foi óbvia a truculência, o armamento que se estimulou no último período, a violência física, no sentido de realmente se tirar a vida de pessoas. Temos, ao lado disso, as fake news, as mentiras, julgamento seguido de sentença e execução da pena nas redes sociais... Acaba-se com pessoas, entidades, de uma forma que a extrema direita no Brasil soube aproveitar muito bem, com os algoritmos. Veja também que o presidente anterior, logo no primeiro dia de governo, extinguiu o Consea [Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional], por exemplo, e, em seguida, em abril, por um decreto, mais de 500 órgãos colegiados no Brasil, o que veio se repetindo no país inteiro! A moda pegou! – como se diz. O posicionamento do governo anterior sobre a pandemia foi no sentido de colocar em prática um projeto de morte. Para aquela turma, há pessoas descartáveis. E todo mundo sabia quem morreria mais – a população de periferia, a população preta, a população pobre, que para eles não precisava existir. E um vírus veio para ajudar a exterminar parte dessa população descartável. Então, vivemos momentos com diferenças em relação ao contexto histórico, mas com muitas semelhanças. Só que agora temos um acúmulo de três décadas, que nos autoriza a constatar que, nos momentos de maior participação é que avançamos nas políticas públicas, em mais garantias de direitos e na consolidação da saúde como direito humano. Estamos novamente nesse caminho, passando por um novo momento de reafirmar o controle social, os princípios do SUS, os próprios conselhos e a democracia.
Que análise faz dos conselhos de Saúde e como sua (re)afirmação vem se dando?
É importante destacar o processo de formação dos conselhos de Saúde em nível nacional, nos estados e nos municípios e a readaptação do Conselho Nacional de Saúde, que tem 85 anos e antecede o SUS, para novas formas de atuar, após a institucionalização do sistema. Pela nossa peculiaridade de república federativa, com autonomia dos entes federados, cada lugar deste país implementou o Sistema Único de Saúde e a representação nos conselhos de forma diferente. No início, os secretários de Saúde eram os presidentes dos conselhos. Depois [em 2006, com a Lei 7.017/2006], conquistamos a definição de que somente integrantes da sociedade civil poderiam assumir essa presidência. No entanto, ainda temos estados e municípios brasileiros com presidências de conselhos de Saúde ocupados pelos secretários! São Paulo, o maior estado do Brasil, é um deles! Os conselhos gestores locais de Saúde – que funcionam por unidade de saúde ou por região de saúde dos municípios –, por sua vez, foram dizimados neste último período de governo – os que sobreviveram trouxeram para nós experiências maravilhosas de enfrentamento à pandemia. Temos muitos conselhos desestruturados. O Conselho Nacional de Saúde recebe a toda hora denúncia de conselho que foi mudado, que foi destituído, que mudou sua composição. O momento que estamos vivendo hoje é de conquista de uma nova abertura para a participação.
Estamos passando por um novo momento, de reafirmar o controle social, os princípios do SUS, os próprios conselhos e a democracia
Você falou em acúmulo. O que destaca como aprendizado, ao longo das décadas, e que críticas teria a fazer sobre o controle social no país?
Houve um período nos governos democráticos do nosso país em que aqueles que estavam na gestão procuraram tutelar o controle social, em vários aspectos e níveis. Muitas vezes, aqueles que estão nos espaços de participação e vão para um espaço de gestão não se dão conta de que mudaram seu lugar de atuação. Pode haver parcerias, pode haver uma construção coletiva para que se avance nas políticas públicas, mas jamais se substituir o papel dos movimentos, do controle social pelo papel do gestor. Essa é uma crítica que precisa estar presente para que não se repita. Tem muita gente dos movimentos, que acumulou experiência no controle social, como sociedade civil, seja na representação de trabalhadores e trabalhadoras de saúde, seja na representação de usuários e usuárias do SUS e está indo, agora, novamente para o governo em nível federal. Essas pessoas, que agora são gestão, têm que se dar conta de que cumprindo um novo papel e que novas lideranças estão assumindo suas vagas. Essas novas lideranças, que entram como representação da sociedade civil, trarão uma diferença de olhar, inclusive, sobre os que foram para a gestão. São lugares diferentes. Quem está na representação da sociedade civil não é gestão. E quem está na gestão não deve tutelar ou fazer com que os que estão na sociedade civil dancem conforme a música tocada pelos gestores. É preciso um processo de construção coletiva, para que não se repitam esses erros do passado, quando houve essa confusão de papéis. Essa é uma crítica importante a trazermos. Mas, seja quando se estava em governos populares, seja no período mais difícil dos últimos seis anos – especialmente, os últimos quatro –, nunca se deixou de buscar uma unidade na ação, voltada à construção de um projeto político e ao fortalecimento do SUS. Mantendo-se as diferenças de espaços de representação, podermos lutar sempre para fazer o SUS avançar.
Muitas vezes, aqueles que estão nos espaços de participação e vão para um espaço de gestão não se dão conta de que mudaram seu lugar de atuação. Pode haver parcerias, pode haver uma construção coletiva para que se avance nas políticas públicas, mas jamais se substituir o papel dos movimentos, do controle social pelo papel do gestor
Essa unidade de ação refere-se a todos terem o SUS como norte...
Nunca tivemos um SUS que tivesse chegado ao patamar ideal, conforme preconizado pela Constituição Federal ou pelas leis que regulamentam o sistema. Mas sempre lutamos de forma unitária. Sou uma pessoa nova no Conselho Nacional de Saúde. Cheguei no final de 2014, início de 2015, era segundo suplente. Comecei a ter participação mais efetiva quando fui eleito coordenador da Comissão Intersetorial de Vigilância em Saúde, de 2016 a 2018. Tive a oportunidade de estar ao lado do presidente do Conselho na época, Ronald Santos, coordenando a primeira Conferência de Vigilância em Saúde. Fomos buscar a história para estar no meio de pessoas que tinham um acúmulo muito grande, desde antes de o SUS nascer, e poder dar conta das responsabilidades. Depois, fui eleito e reeleito presidente do Conselho Nacional de Saúde. Isso exige muito da gente. A busca da unidade que mencionei, respeitando-se as diferenças, inclusive as contradições que existem, é algo positivo e fez com que a gente conseguisse sair desse período triste, terrível da história, mais rapidamente. Essa unidade, que veio sempre sendo buscada, nos deu suporte para avançar, num momento de necessidade de resistência, para que a gente não perdesse mais do que havíamos perdido e lutasse para voltar a um ambiente mais favorável, em que o SUS tão sonhado passasse a ter implementação mais ampla do que no passado. Essa unidade para ação é fundamental.
É possível definir um perfil para o agente do controle social? Quem são essas pessoas e entidades?
É muito difícil isso, porque cada pessoa, cada entidade representada no controle social compõe uma diversidade cada vez maior, e a busca de um perfil pode até atrapalhar. Precisamos sempre buscar o mais amplo espectro possível de entidades, movimentos, pessoas, da institucionalidade ou não institucionalizados. No segmento de usuários do Conselho Nacional de Saúde, temos entidades com CNPJ, como a Conam [Confederação Nacional das Associações de Moradores], que eu represento, e movimentos sem qualquer tipo de formalização. Isso é algo que a gente considera muito no Conselho: espaço tanto para entidades que tenham seus estatutos, suas diretorias, seu CNPJ, como para movimentos que se organizam de forma autônoma e não têm essa formalidade. A proliferação de movimentos e entidades precisa ser incentivada. Buscamos, inclusive, nos nossos processos de formação para o controle social do SUS, essa diversidade. Para a 17ª Conferência, agora, estamos incentivando a realização de conferências livres [preparatórias]; temos no regulamento da Conferência a possiblidade de conferências livres serem organizadas por qualquer segmento da sociedade. Incentivamos os estados, os municípios, para alcançarmos essa proliferação de movimentos que vêm atuando no controle social do SUS. As propostas e diretrizes que virão das conferências livres estarão no documento a ser debatido durante a 17ª Conferência Nacional. E delegados sairão desse processo. Isso é algo que vemos como muito positivo e, mais uma vez, embora não possamos igualar momentos históricos distintos, se assemelha ao movimento para a 8ª Conferência, no sentido de uma ocupação de espaço, pelo movimento sanitário, pelos movimentos populares, mudando o perfil do evento.
Essa unidade que veio sempre sendo buscada nos deu suporte para avançar, num momento de necessidade de resistência, para que a gente não perdesse mais do que havíamos perdido e lutasse para voltar a um ambiente mais favorável, em que o SUS tão sonhado passasse a ter implementação mais ampla do que no passado
No caso da 17ª, o que mudará?
Vínhamos de um tempo e de um processo em que a conferência municipal elegia a delegação que iria para a estadual e a conferência estadual elegia a delegação para a nacional. Agora, estamos colocando um elemento novo, com as conferências livres, ampliando a participação social. Dezenas estão se realizando, das mais variadas temáticas [Saúde da População Negra, Educação Popular em Saúde, Comunicação em Saúde, Saúde do Trabalhador e Saúde da Mulher são alguns exemplos], que vêm acontecendo no Brasil inteiro e que terão suas propostas discutidas durante a 17ª, por todas as delegações, e seus delegados participando como atores e atrizes desse processo. Para nós, essa vai ser uma virada histórica do processo de conferências e vem num momento de retomada da participação, do processo de reafirmação e radicalização da democracia, incentivando que haja cada vez mais espaços em que as pessoas possam decidir os rumos de suas vidas.
Como avalia a credibilidade das conferências de Saúde e dos conselhos de Saúde e o entendimento do papel dessas instâncias de controle social pela sociedade, de forma geral?
Tudo, em um processo democrático, tem críticas a serem feitas e questões a serem aperfeiçoadas, ao lado das coisas positivas. Uma das primeiras coisas que o Temer [Michel Temer] fez, quando entrou, foi acabar com o Conselho Nacional das Cidades (eu atuei no conselho entre 2011 e 2014). Em seguida, veio Bolsonaro, que acabou com o Ministério das Cidades. Nesses espaços se discutiam políticas públicas para habitação, planejamento urbano, saneamento, trânsito e mobilidade... Por que essas instancias acabaram? Porque serviam para muita coisa! O conselho tensionava quem estava na gestão, para fazer aquilo que a comunidade organizada estava propondo. Da mesma forma que um processo de conferência, de controle social, de conselhos, de outros órgãos colegiados, que, como citei, o Bolsonaro extinguiu por decreto. Queriam sinalizar: “Isso aqui nos atrapalha!”. Se não atrapalhasse não seria preciso extinguir! Nesse processo todo, de seis anos, não paramos de atuar na formação para o controle social do SUS. Nem durante a pandemia paramos de fazer – fizemos na modalidade virtual. E, entre outras iniciativas, como a parceria com a Plataforma IdeiaSUS da Fiocruz, com rodas de conversa, rodas de práticas; os laboratórios de inovação, que fizemos com a Opas [Organização Pan-Americana de Saúde]. A partir do que foi realizado pelo controle social para enfrentar a pandemia, constatamos mais uma vez: onde havia conselho local de Saúde organizado, onde comunidades estavam organizadas, a pandemia foi enfrentada de uma forma melhor. A gente vai reforçando aquele aspecto da participação: onde a decisão é tomada por mais pessoas, mais representações, de entidades, movimentos, de diferentes formas de organização da sociedade, as consequências são melhores para a vida do povo. Isso tensiona quem quer tomar decisões entre quatro paredes, meia dúzia de pessoas que vão sempre privilegiar uma minoria da sociedade. Quando há maior participação, pode ter certeza, isso vai beneficiar uma maioria.
Estamos atuando fortemente na questão do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, tivemos simpósio, conferência livre sobre esse tema, sobre o papel da indústria farmacêutica...
O curso de ‘Formação em monitoramento e avaliação do controle social para o SUS’, que teve início em abril, objetiva um melhor acompanhamento da execução daquilo que as conferências de Saúde deliberam. O que demandou a criação desse curso?
Essa crítica quanto ao não acompanhamento das deliberações das conferências de Saúde sempre foi feita, nas próprias conferências. O que se faz com as deliberações? Então, definimos na 16ª (8ª+8) [em 2019] essa iniciativa de monitoramento e avaliação, que integra um amplo projeto de fortalecimento do controle social do SUS e que passaria por um TED [Temo de Execução Descentralizada] com a Fiocruz. Isso, no entanto, não aconteceu. O Ministério da Saúde não assinou, nem no final de 2019, nem em 2020, quando teria que ser executado. O termo foi assinado no final de 2021, por uma secretaria executiva do Ministério, depois de muita briga, de uma pressão muito forte que fizemos. A Fiocruz foi uma parceira importante e a Opas também entrou nessa pressão, mais uma força-tarefa com Conass, Conasems, parlamentares, para que no ambiente do governo anterior tivéssemos o TED da Fiocruz e o Termo de Cooperação com a Opas assinados – um no dia 28 de dezembro e outro no dia 31 de dezembro de 2021! Caso contrário tudo se inviabilizaria. São coisas de que a gente não fala, mas é importante registrar. O TED começou a ser executado em 2022 e passou a incluir também a preparação da 17ª, de modo que, após a conferência, tenhamos esse processo de os conselhos de Saúde, municipais e estaduais desenvolverem estratégias para o monitoramento das deliberações e o processo não se encerre com o fim de cada conferência. O período em que estamos realizando as conferências agora vai ajudar muito. Antes, fazíamos as conferências no segundo semestre. A 16ª, já tentamos antecipar, fazendo no primeiro semestre e início do segundo semestre. Agora, na 17ª, fizemos as etapas estaduais no primeiro semestre e faremos a etapa nacional no início de julho. Para quê? Para influenciar nos Planos Estaduais de Saúde e no Plano Nacional de Saúde 2024-2027. Não adianta discutir propostas e diretrizes, sem isso não tiver repercussão no orçamento.
De que forma o controle social pode e deve estar a serviço da garantia da soberania nacional na produção de insumos, inovação e outros bens de que o país necessita, de modo a garantir um desenvolvimento econômico em favor da vida e de TODAS as pessoas?
Sempre atuamos no sentido de garantir essa soberania, nas diversas políticas que ajudamos a construir, nos posicionamentos em resoluções, recomendações. Se pegarmos a história do Conselho Nacional de Saúde, todo o trabalho sempre se deu no sentido de garantir a soberania nacional. Vide as críticas que fizemos durante a pandemia sobre a falta de uma ação do governo federal para coordenar o enfrentamento da pandemia e sobre o que estava sendo desmontado no Brasil. Imagine o caos ainda maior que se formaria, se não houvesse a guinada que o Brasil deu no final do ano passado, com as eleições. Agora, a gente continua nessa luta, mas como parte da construção das afirmações da soberania. Estamos atuando fortemente na questão do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, tivemos simpósio, conferência livre sobre esse tema, sobre o papel da indústria farmacêutica. Temos atuação na Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde], e estamos, inclusive, renovando nossa representação na Comissão, trazendo pessoas e entidades novas a contribuir nesse espaço fundamental e em todos os espaços em que o conselho nacional de saúde pode estar participando.
Às vésperas da 17ª, a que aspectos devemos ficar atentos, no que diz respeito a um bom desempenho do controle social? O que deve estar no nosso radar, para que a 17ª seja, de fato, uma conferência que atenda as expectativas?
A Conferência Nacional de Saúde não pode ser uma conferência só de quem atua na saúde; tem que ser uma primeira grande demonstração de que a participação social está aí, com força. É preciso, então, considerar não só o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Saúde ou os conselhos e secretarias estaduais e municipais. A responsabilidade é de todos, governo, movimentos e entidades, independentemente da área, porque, lembrando Arouca, saúde não é apenas ausência de doença. É preciso levar em conta a importância da democracia para um país melhor, soberano, justo, igualitário, fraterno, em que o SUS garanta o que está lá nos seus princípios – universalidade, integralidade e equidade.
A Conferência Nacional de Saúde não pode ser uma conferência só de quem atua na saúde; tem que ser uma primeira grande demonstração de que a participação social está aí, com força
Está falando do conceito ampliado de saúde.
Sim. Quem é do movimento popular da reforma urbana tem que estar lá com a responsabilidade sobre o que vai acontecer; quem é dos direitos humanos tem que estar lá; quem é da educação tem que estar lá. Não podemos pensar no país de forma separada e sim com essa amplitude. Por isso, estamos participando do Fórum Interconselhos [reúne representantes dos diversos conselhos nacionais e entidades da sociedade civil, para colaborar na elaboração e monitoramento da execução dos Planos Plurianuais (PPAs); o primeiro Fórum do atual governo realizou-se em 18/4/2023], que está discutindo o PPA participativo para 2024-2027. Vamos também discutir o Plano Nacional de Saúde, para levar elementos para o PPA. Mas, como mencionei, nossa compreensão é que temos que envolver toda a sociedade brasileira, não só a Saúde. O povo brasileiro precisa saber que essa conferência será a primeira de muitas experiências que ajudarão a implementar o programa que venceu as eleições presidenciais no país. Porque não vai ser fácil. Está sendo mostrada aí toda a correlação de forças, inclusive no próprio Congresso Nacional. Se não tivermos mobilização popular, se não se agir a partir das decisões tiradas do controle social, das conferências e das mobilizações de rua – que precisamos fazer cada vez mais –, não vamos conseguir. Queremos fazer, inclusive, na 17ª, a princípio, no dia 3 de julho, uma grande marcha e uma grande abertura popular na Esplanada dos Ministérios, para que o SUS seja abraçado pelo povo brasileiro e nós possamos demonstrar a força desse sistema que precisamos consolidar no país.
Em que sentido essa ação se diferenciará do que já se vinha fazendo até aqui nas conferências, no sentido de extrapolar para as ruas algumas marchas, algumas mobilizações?
A mobilização sempre houve, marchas, atos em aberturas em áreas externas, para além da abertura formal, mas acho que este momento aponta para nós outra necessidade, de que as conferências livres, que estão mobilizando todo o Brasil, tornem-se uma demonstração de força desse SUS amplo que queremos consolidar, da saúde como direito humano e não só ausência de doença.
Quais os recursos de que o controle social necessita para funcionar bem?
Precisamos garantir o que está na lei, que é autonomia de funcionamento dos conselhos estaduais e municipais. Tivemos cortes de orçamento no último período para os conselhos e para a própria realização da 16ª Conferência – que não fizemos da forma como gostaríamos. Agora, estamos com recursos, inclusive suplementares para garantir uma ótima 17ª. E precisamos de cada vez mais condição de garantir autonomia. Há conselhos municipais em que os conselheiros não têm acesso a uma passagem para se locomover do interior para a capital do estado e participar de um curso de formação. Os governos tentam manter aprisionados os conselhos municipais de Saúde, para que eles legitimem as ações governamentais, e precisamos mudar isso. Assim, como tivemos exemplo negativo do último presidente da república, destituindo conselhos, terminando com órgãos colegiados, perseguindo, criminalizando o ativismo social no Brasil, este novo momento exige que a gente afirme que a participação é importante, o ativismo é importante, o controle social é importante, que as conferências, os conselhos são importantes e precisam de autonomia. Sabemos que se não houver autonomia, há limitação de atuação – e, portanto, não há a democracia participativa pela qual a gente lutou.