Empregos no CEIS: potenciais e desafios
O potencial de geração de ocupações no Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) foi o foco da apresentação realizada pelo pesquisador Denis Gimenez, da Unicamp, na oficina CEIS 4.0, realizada em 14/6/2024. Denis mostrou os resultados de uma análise comparativa com experiências de outros países, ressaltando algumas características do contexto brasileiro. O trabalho foi realizado pelo grupo de pesquisa coordenado por Denis, na Unicamp. uma equipe integrada também pelos pesquisadores da Unicamp Marcelo Manzano, Anselmo Luiz dos Santos e André Becker Krein e Cheng Li.
O estudo levou em conta algumas características consideradas “decisivas” pelo grupo, no “quadro do subdesenvolvimento brasileiro”, tais como: fragilidade e dependência financeira, tecnológica e produtiva; política social; universalização de direitos em uma sociedade muito desigual e mercado de trabalho historicamente desorganizado. “Se olharmos, entre os países subdesenvolvidos, poderíamos pensar em experiências como a de Cuba, mas em um país continental com uma população grande, com uma estrutura econômica diversificada como o Brasil, a busca por universalização de política social é uma experiência única”, referindo-se à universalização da atenção à saúde.
A respeito do contexto brasileiro, Denis mencionou, também, nossa dependência externa e estrutura tributária – cuja base fiscal muito regressiva faz com que os pobres paguem mais impostos – e a desarticulação entre a estrutura produtiva e o consumo. “Uma parte importante do que nós conseguimos fazer em termos da política social e da nossa política de desenvolvimento passa por uma situação que Celso Furtado definia como consumir sem produzir”.
O pesquisador explicou que, em comparação com outros países, o Brasil tem baixa participação das ocupações em saúde em relação ao total das ocupações no país. Essa situação estaria relacionada à baixa participação dos empregos públicos no total de empregos e, por outro lado, “ao estrangulamento do Sistema Único de Saúde”.
Diante desse quadro, Denis explica que a geração de ocupações nos CEIS, ainda que haja dificuldades, como a precarização do trabalho, projeta a ideia de empregos melhores do que os do conjunto do mercado de trabalho no Brasil, “muito desorganizado”.
Outro aspecto positivo dos empregos na saúde, apontado pelo pesquisador, é o fato de serem menos suscetíveis a crises. Além de possuírem comportamento anticíclico, têm centralidade na esfera pública e no SUS, o que representa “uma forma de organizar melhor o mercado de trabalho e, mais do que isso, promover crescente homogeneização da sociedade”, conforme analisou.
Ao comentar o comportamento anticíclico desses empregos, Denis citou dados levantados entre 2012 e 2021, durante a crise econômica, com queda do PIB e recessão, em que, mesmo assim, observou-se expansão significativa do emprego no Complexo Econômico-Industrial da Saúde. “Chegamos lá com quase 9 milhões de empregos no nosso CEIS”.
A qualidade dos empregos no CEIS, em termos de rendimento e jornada de trabalho, por exemplo, também foi ressaltada por Denis – “a despeito de uma série de características que marcam precarização e outros problemas que existem evidentemente nesse mercado de trabalho da saúde”.
O estudo trouxe, ainda, uma comparação do crescimento do emprego na saúde com outros países, como Estados Unidos da América, Reino Unido, Argentina e Uruguai, e avaliou tendências na China e Índia. Para isso, compatibilizou diferentes bases de dados internacionais e utilizou o conceito restrito de CEIS, que aborda produção, manutenção, comércio, seguros e planos, serviços e atendimento, pesquisa e ensino e cuidados.
No que diz respeito aos dados sobre a proporção do número de ocupados no CEIS restrito, em relação ao total, o Brasil é o que tem a menor participação na comparação com os demais países pesquisados. “Se observarmos a evolução pelo próprio crescimento do emprego, a partir de 2012, a participação de 5,5 % no total de ocupados foi para 7,9 %, em 2022, no Brasil. Mesmo crescendo dessa forma, é muito inferior a participação do emprego na saúde, em relação ao total de ocupados nos demais países”, explica Denis. Também em relação ao total da população, a posição do Brasil no número de ocupados no CEIS restrito é inferior a esses países, mesmo que venha experimentando uma evolução.
Denis mostrou, ainda, a proporção dos empregos na saúde por natureza jurídica, comparando a situação desses empregos no Brasil e no mundo. No caso brasileiro, 70% das ocupações estão no setor privado e 30%, no setor público. No Reino Unido, por exemplo, 50% estão no público e 50% estão no privado; nos Estados Unidos, 93 % estão no setor privado.
Em relação ao aumento do número de empregos, Denis destacou o caso dos Estados Unidos. Entre 2012 e 2022, as ocupações no Complexo Econômico-Industrial da Saúde saltaram de R$ 17 milhões para mais de R$ 21 milhões nesse país. De 1979 a 2007, a participação dos empregos na saúde em relação ao número total de empregos saiu de 7,6 % para 11,2%. No período 2008 a 2018, dos 10 milhões de empregos gerados, quase 40% (4,2 milhões) estavam na saúde e na assistência social. A saúde ambulatorial e serviços de cuidado à saúde correspondem a quase a metade desse valor – 2 milhões de ocupações geradas. Fazendo uma projeção para dez anos, entre 2022 e 2032, com a economia americana crescendo em torno de 2% ao ano e emprego em torno de 4 ,7 milhões, a saúde e assistência social devem gerar 2 ,1 milhões de ocupações, ou seja, mantém-se a tendência de mais de 40% de empregos gerados nos Estados Unidos em torno da saúde, conforme contabilizou o estudo.
Ainda sobre os EUA, Denis explicou que, no país, uma em cada seis ocupações geradas nesses dez anos se dará na saúde domiciliar e auxiliares de cuidados pessoais. “Esses setores vão se tornar os de maior ocupação da economia norte-americana”.
Denis citou dados observados no período de 2012 a 2022, em outros países, como Reino Unido, Uruguai e Argentina, para mostrar que a tendência de crescimento é geral, mesmo naqueles em situação de crise econômica, como é o caso da Argentina.
Dados trazidos sobre China e Índia, embora não permitam comparação por questões metodológicas, também permitem identificar a mesma tendência de crescimento. “Na China, o total de ocupados no Complexo da Saúde, segundo os dados oficiais do censo econômico, cresceu 64%, entre 2008 e 2018, de 11 milhões para 19 milhões”, apontou Denis, acrescentando que, se for considerada a abertura desses dados, serviços de atendimento correspondem a 55% e produção no ramo da saúde, 44%, enquanto em atividades de P&D e medicina, o registro de crescimento foi 290%.
Em 2006, o número de ocupados dá em torno de 18,9 milhões. Em 2022, de 18,9 vai para 42,7 milhões. E é curioso que tem um ponto de inflexão que chamou atenção, se eu pegar isso, de 18,9 vai para 26 em 2012. Portanto, o ritmo da expansão da geração de emprego em saúde acelera muito a partir dos anos de 2014, 2015, 2016.
No caso da Índia, Denis trouxe dados de 2018 e 2020, sobre o número de trabalhadores nos serviços da saúde por 10 mil habitantes, mostrando, também, tendência de expansão desse número. Entretanto, explica, no caso da geração de emprego na Índia, o mercado de trabalho é muito peculiar porque prevalece a informalidade, mas é possível perceber também tendência de expansão da ocupação em saúde no total de ocupados.
Denis concluiu sua apresentação ressaltando a importância do avanço na internalização da produção, “não só em torno de setores mais complexos, mas também em setores intensivos em força de trabalho”, pois no CEIS há espaço para geração de emprego, afirmou. Ele defendeu maior articulação entre a estrutura produtiva e de consumo no Complexo Econômico-Industrial da Saúde, particularmente sendo o SUS um grande consumidor. “Na verdade, estamos falando de algo mais amplo do que simplesmente uma política de compra governamental. Estamos falando da necessidade de uma política de organização da demanda”, considerou.
Conforme observou Denis, para enfrentar nosso subdesenvolvimento e nossa desigualdade, é fundamental a centralidade do SUS nas ocupações em saúde. “Se não fizermos dessa forma, corremos o risco de expansão severa de ocupação com perfil mais parecido com o da expansão americana, reforçando traços de desigualdade na estrutura e a heterogeneidade das ocupações em saúde, que pode prevalecer”, alertou. “Como estratégia, pensando a ambição de um país subdesenvolvido em universalizar a atenção à saúde, que é o nosso projeto, esses pontos são sensíveis”.
Acesse as exposições dos pesquisadores na oficina
O piso e o teto: impactos do arcabouço fiscal para o financiamento da Saúde
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Empregos no CEIS: potenciais e desafios
EUA: Sistema de inovações bem-sucedido e sistema de saúde caro, com baixo acesso da população
China: articulação bem-sucedida entre acesso à saúde e desenvolvimento produtivo
Reino Unido:
Mercosul: realidades diversas, desafios em comum