'Dicionário de Favelas Marielle Franco': mobilização, memórias e resistência
A pesquisadora Cleonice Dias do Centro de Estudos e Ações Culturais e Cidadania da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, e a deputada Mônica Francisco (PSOL/RJ) conversaram com o blog do CEE-Fiocruz, no evento de lançamento do Dicionário de Favelas Marielle Franco e de comemoração dos 33 anos do Icict/Fiocruz, em 16/04/19, no Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos. Também chamado de WikiFavelas, o dicionário consiste em uma plataforma virtual de formato colaborativo, em que qualquer pessoa pode contribuir com novos verbetes ou incluir informações em verbetes já publicados. A coordenadora do projeto, Sônia Fleury, pesquisadora associada do CEE-Fiocruz, descreveu a importância do dicionário como instrumento de resgate de memórias, de difusão de informação e de empoderamento da comunidade. “O reconhecimento da favela começa ao aceitarmos a diversidade e a identidade dentro dela”, avalia Sonia.
Clique no final para assistir ao vídeo com Cleonice Dias e Mônica Francisco.
A publicação virtual já conta com 258 verbetes e 67 colaboradores, entre pesquisadores acadêmicos e intelectuais da favela, assim como com a contribuição da população em geral, e possibilita congregar o conhecimento sobre as favelas de forma interdisciplinar e interinstitucional. A sua plataforma é baseada em Wiki e pode ser acessada pelo link https://wikifavelas.com.br/
Queremos servir como instrumento de mobilização e resistência fazendo produção de conhecimento (Sonia Fleury)
“Trabalhar nessa área mostrou que a política pública tratava a favela como uma coisa única e homogênea. Mas dentro da favela existe uma realidade rica de tribos, histórias e lideranças”, destaca.
Sonia explica que a iniciativa teve o apoio e a participação da vereadora assassinada Marielle Franco que escreveu uma ementa e uma proposta de verbete sobre a sua monografia UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. “O dicionário passou a se chamar Dicionário de Favelas Marielle Franco em tributo a Marielle”, diz.
“Queremos servir como instrumento de mobilização e resistência fazendo produção de conhecimento. Estamos no momento em que a favela estruturalmente foi vilipendiada, desconhecida, denegada. O momento é de retrocesso democrático, que se coloca uma necropolítica como política pública, observa Sonia, que conclui "esse dicionário é de cada um de nós. É uma forma de resistir contra essa política ditatorial, com autoridade para matar numa favela sem nenhuma prestação de contas”, diz Sonia.
Marielle Franco é um tambor de ressonância, quem a matou não esperava que esse tambor repercutisse. Como uma grande senzala, as favelas repercutem o que é Marielle, a voz, a força, a garra, a determinação e a coragem das mulheres (Cleonice Dias)
A pesquisadora Cleonice Dias destaca a conquista que é o Dicionário de favelas para comunidade. “O dicionário de favela é uma conquista da favela que não podendo falar em seus territórios por causa do controle e da militarização tem a possibilidade junto com academia, numa tentativa de articular e de dialogar saberes, colocar toda a nossa história, toda a nossa resistência, toda nossa vontade, de dizer que produzimos conhecimento e que sabemos o que queremos”, afirma.
É fundamental consolidar os locais de vivência dos negros e negras favelados e pobres como lugar de produção e de conhecimento (Mônica Francisco)
“Marielle Franco é um tambor de ressonância, quem a matou não esperava que esse tambor repercutisse. Como uma grande senzala as favelas repercutem o que é Marielle, a voz, a força, a garra, a determinação e a coragem das mulheres e de todas as pessoas que lutam para que a favela seja incorporada com seu valor, com sua tradição e com sua história na luta para cidades melhores e mais saudáveis”, destaca Cleonice.
A deputada Mônica Francisco afirmou a importância de uma produção como essa na consolidação da produção de saberes a partir da construção de um observatório, de um dicionário com verbetes de favelas. “É fundamental para consolidar e radicalizar os locais de vivência dos negros e negras favelados e pobres como lugar de produção e de conhecimento”, explica.
“É uma construção muito importante e simbólica, num momento de tensão e de uma necropolítica, isto é, uma política de morte, uma política pública que se consolida como criminalizadora desses espaços. Ter um contraponto numa instituição como a Fiocruz, a partir de um observatório é fundamental para a defesa incondicional da vida dessa população”, conclui Mônica.
• Como colaborar com a WikiFavelas
O dicionário é composto de textos, com ou sem imagens, propostos pelos autores na forma de verbetes, com cerca de quatro mil palavras. Qualquer pessoa pode colaborar, mas é necessário que se inscreva como participante, antes de enviar seu texto. Também é possível fazer uma pequena proposta inicial, uma ementa de 400 palavras, sobre um tema relacionado às favelas e inseri-la na plataforma antes de enviar o texto definitivo do verbete. Cada autor é livre para propor o tema que quer abordar, desde que remeta à temática geral das favelas. Normas e orientações gerais estão disponíveis no site. Quem quiser debater um verbete ou propor uma visão divergente e mesmo uma redação alternativa pode também enviar seu texto com referência ao artigo original que quer debater. (Daiane Batista/CEE-Fiocruz)
Assista abaixo vídeo com as falas de Cleonice Dias e Mônica Franscisco.