O debate sobre a Agenda 2030 e os ODS é onipresente no âmbito do sistema multilateral das Nações Unidas e, geralmente, pauta também a agenda das organizações plurilaterais, como G20, G7, G77 + China, Movimento dos Não Alinhados, BRICS, União Europeia, União Africana, ASEAN, CELAC e outras.

Um dos momentos políticos mais relevantes ocorre todos os anos, no mês de julho, em Nova York, no âmbito do Conselho Econômico Social das Nações Unidas (Ecosoc): o Fórum Político de Alto Nível (HLPF, na sua sigla em inglês).

Neste artigo, selecionamos e comentamos três documentos que alimentarão os debates sobre Agenda 2030 e seus ODS, seja no HLPF do Ecosoc, que se realiza em julho de 2024, seja na 79ª assembleia Geral das Nações Unidas (UNGA 79) e na Cúpula do Futuro, em setembro de 2024, em Nova York. No final, tratamos da Declaração Ministerial (zero draft) que sai como resultado do HLPF e do Ecosoc.

Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável 2024, no âmbito do ECOSOC

O HLPF é a principal plataforma da ONU para o desenvolvimento sustentável. Desempenha papel central no acompanhamento e análise da implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e seus ODS. Todos os Estados-membros da ONU, bem como representantes de organizações da sociedade civil, participam no HLPF, que se reúne de 8 a 17 de julho de 2024, sob os auspícios do Ecosoc.

Isso inclui o segmento ministerial de três dias do fórum, de 15 de a 17 de julho, como parte do segmento de alto nível do Conselho. A reunião termina em 18 de julho. Neste ano, o Ecosoc é presidido pela embaixadora Paula Narváez, representante do Chile. A programação completa do Ecosoc pode ser acessada aqui e a do HLPF, aqui e também assistida pela UN-TV.

O tema do ano será Reforçando a Agenda 2030 e erradicando a pobreza em tempos de múltiplas crises: a entrega eficaz de soluções sustentáveis, resilientes e inovadoras (A/DEC/77/553). Os temas dos oito Fóruns de Alto Nível já realizados, desde 2016, no âmbito do Ecosoc, encontram-se no quadro abaixo. Clicando sobre o tema, o leitor interessado acessará toda a programação e a documentação do respectivo HLPF.

Quadro 1 - HLPF AO LONGO DOS ANOS

• 2023 - Acelerar a recuperação da doença do coronavírus (COVID-19) e a plena implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável a todos os níveis
• Cúpula dos ODS de 2023
• 2022 - Reconstruir melhor a partir da doença do coronavírus (COVID-19), ao mesmo tempo que avançamos na plena implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
• 2021 - Recuperação sustentável e resiliente da pandemia de COVID-19 que promova o impacto económico, social e ambiental
• 2020 - Ação acelerada e caminhos transformadores: concretizando a década de ação e entrega para o desenvolvimento sustentável
• 2019 - Capacitar as pessoas e garantir a inclusão e a igualdade
• Cimeira dos ODS 2019
• 2018 - Transformação para sociedades sustentáveis ​​e resilientes
• 2017 - Erradicar a pobreza e promover a prosperidade num mundo em mudança
• 2016 - Garantir que ninguém fique para trás

O HLPF 2024, sem prejuízo da natureza integrada, indivisível e interligada dos ODS, vai rever em profundidade alguns deles: Objetivo 1) Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; Objetivo 2) Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; Objetivo 13) Tomar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos; Objetivo 16) Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis ​​e inclusivas a todos os níveis; e Objetivo 17) Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a Parceria Global para o Desenvolvimento Sustentável.

Esse será o primeiro Painel Político de Alto Nível sob os auspícios do Ecosoc, após a Cúpula dos ODS de 2023[1] – o HLPF convocado sob os auspícios da Assembleia Geral, em setembro de 2023. A edição de 2024 apoiará a implementação da Declaração Política[2] e outros resultados da mencionada Cúpula dos ODS para fazer avançar a Agenda 2030.

Revisões Nacionais Voluntárias

Como ficou definido desde o início do processo de implementação da Agenda 2030, em 2015, os Estados-membros apresentam voluntariamente a evolução do alcance dos ODS em seus respectivos territórios. Neste ano, os seguintes Estados manifestaram interesse em realizar Revisões Nacionais Voluntárias (VNR) da sua implementação da Agenda 2030: Armênia, Áustria, Azerbaijão, Belize, Brasil, Chade, Colômbia, Congo, Costa Rica, Equador, Guiné Equatorial, Eritreia, Geórgia, Guiné, Honduras, Quênia, Laos, Líbia, Mauritânia, Maurício, México, Namíbia, Nepal, Omã, Palau, Peru, Samoa, Serra Leoa, Ilhas Salomão, África do Sul, Sudão do Sul, Espanha, Síria, Uganda, Vanuatu, Iêmen e Zimbábue.

As RNV são excelente oportunidade para que cada país apresente os avanços na implementação da Agenda 2030 e na consecução dos ODS no seu território, como também compartilhar experiências e dificuldades encontradas.

Outros eventos à margem do HLPF 2024

Tradicionalmente, muitos outros eventos de grande interesse são realizados à margem do HLPF. Os de 2024 podem ser acessados em: eventos paralelos[3], laboratórios VNR , eventos especiais e  exposições. A sede da ONU em Nova York fica repleta de participantes e abre-se à participação de múltiplos major stakeholders da sociedade civil, além dos representantes oficiais dos países.

Principais documentos sobre a Agenda 2030 e seus ODS para o HLPF

Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2024 das Nações Unidas

O Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2024[4], lançado em 28 de junho, analisa o progresso da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, utilizando os dados e estimativas oficiais das Nações Unidas mais recentes disponíveis, para avaliar o progresso em cada Objetivo e metas associadas. Preparado pela ONU DESA [Department of Economic and Social Affairs Statistics], em colaboração com mais de 50 organizações internacionais e regionais, o Relatório pretende servir como recurso fundamental, fornecendo os dados e evidências mais recentes para o desenvolvimento de recomendações e soluções para avançar no progresso em direção aos ODS.

Na apresentação do documento, o secretário geral, António Guterres, faz uma leitura preocupante. Sinaliza que apenas 17% das metas dos ODS estão no caminho certo, quase metade está mostrando progresso mínimo ou moderado e o progresso em mais de um terço estagnou ou até regrediu.

Segundo ele, os efeitos assustadores da pandemia de Covid-19, a escalada dos conflitos, as tensões geopolíticas e o crescente caos climático estão atingindo duramente o progresso dos ODS. Além disso, deficiências sistêmicas e desigualdades no sistema econômico e financeiro global deixam os países em desenvolvimento enfrentando desafios enormes e crescentes com apenas uma fração do apoio internacional de que precisam e merecem.

As desigualdades continuam crescendo. A crise climática continua a aumentar. A perda de biodiversidade está acelerando. O progresso em direção à igualdade de gênero continua decepcionante. E os conflitos na Ucrânia, Gaza, Sudão e outros lugares deixaram 120 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo.

Essa situação não vai melhorar por si só: os países em desenvolvimento, como um todo, enfrentam a pior perspectiva econômica de médio prazo em uma geração.

Nesse contexto, a firme unidade dos governos por trás da Agenda 2030, conforme demonstrado na Cúpula dos ODS em setembro de 2023, oferece um vislumbre de esperança. Seu compromisso de resgatar os ODS e entregar um Estímulo aos ODS gerou novo ímpeto por trás dos Objetivos.

O relatório também destaca que, apesar das tendências preocupantes, algum progresso está sendo feito – com reduções na mortalidade infantil, infecções por HIV e no custo de remessas e melhorias no acesso à água, saneamento, energia e banda larga móvel. Para transformar esses brotos verdes em progresso acelerado e transformador, ações mais ousadas são necessárias, propõe Guterres:

- Primeiro, precisamos de paz. Devemos resolver os conflitos armados em andamento por meio do diálogo e da diplomacia, e prevenir conflitos futuros, defendendo os princípios e valores da Carta das Nações Unidas.

- Segundo, precisamos de solidariedade. Os países em desenvolvimento precisam urgentemente de mais recursos financeiros e espaço fiscal. Precisamos reformar a arquitetura financeira internacional desatualizada, disfuncional e injusta para facilitar um investimento muito maior nos ODS.

- Terceiro, precisamos de um aumento na implementação. Investimentos massivos e parcerias mais eficazes são necessários para impulsionar transições críticas em alimentos, energia, conectividade digital e muito mais, desbloqueando o progresso em todos os Objetivos.

E sustentando todos os nossos esforços deve haver um esforço mais concentrado para desmantelar as barreiras de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas, porque não podemos esperar atingir os Objetivos sem igualdade de gênero.

Este relatório destaca a necessidade urgente de uma cooperação internacional mais forte e eficaz para maximizar o progresso a partir de agora. A Cúpula do Futuro deste ano oferece uma oportunidade vital, abrindo caminho para mais avanços na conferência Financing for Development e na Cúpula Social Mundial em 2025.

Com mais de seis anos restantes, não podemos desistir de nossa promessa de 2030 de acabar com a pobreza, proteger o planeta e não deixar ninguém para trás, conclui o secretário geral.

Relatório de 2024 sobre Financiamento para o Desenvolvimento Sustentável: Financiamento para o Desenvolvimento numa Encruzilhada

O mundo enfrenta uma crise de desenvolvimento sustentável. O Relatório de 2024 sobre Financiamento para o Desenvolvimento Sustentável: Financiamento para o Desenvolvimento numa Encruzilhada[5] conclui que os desafios de financiamento estão no centro da crise e colocam em perigo os ODS e a ação climática. A janela para salvar os ODS e evitar uma catástrofe climática ainda está aberta, mas a tendência é se fechar rapidamente.

As lacunas de financiamento para o desenvolvimento sustentável são grandes e crescentes – as estimativas de organizações internacionais e outras estimam em cerca de 4 bilhões de dólares de investimento adicional necessário anualmente para os países em desenvolvimento. Isso representa aumento de mais de 50% em relação às estimativas pré-pandemia. Entretanto, o fosso financeiro não foi superado, com os países em desenvolvimento pagando cerca de duas vezes mais, em média, em juros sobre o seu stock total de dívida soberana que os países desenvolvidos. Muitos países não têm acesso a financiamento acessível ou estão em situação de sobre-endividamento. Ambientes facilitadores fracos impedem o progresso. O crescimento global médio diminuiu, enquanto os quadros políticos e regulamentares ainda não estabelecem incentivos adequados. Os orçamentos e despesas públicas não estão totalmente alinhados com os ODS. Os investidores privados não são incentivados a investir o suficiente nos ODS e na ação climática.

O mundo está numa encruzilhada. Segundo o informe, esta é a última oportunidade para corrigir o rumo, se quisermos alcançar os ODS até 2030. Só um impulso de investimento urgente, em grande escala e sustentável, pode ajudar a alcançar os objetivos globais. A Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (Espanha, julho de 2025) será oportunidade quase derradeira para uma mudança coerente do financiamento.

São necessárias quatro ações:

• Preencher lacunas de financiamento para investimentos nos ODS/clima (públicos e privados) em grande escala e com urgência;
• Superar lacunas políticas e de arquitetura institucional global, com reformas nas instituições internacionais;
• Superar as lacunas de credibilidade e confiança, tanto a nível internacional como a nível interno; e
• Formular e financiar novos caminhos de desenvolvimento

Os gastos militares crescentes, as disputas geopolíticas e o isolacionismo de muitos países são fortemente desfavoráveis para o financiamento responsável do desenvolvimento. Mas como alerta o documento, o custo da inação é muito maior e gerará consequências globais irrecuperáveis e que definitivamente atentarão, em última na análise, contra a própria sobrevivência da espécie humana e do planeta.

O Informe da SDSN: Sustainable Development Report 2024 - The SDGs and the UN Summit of the Future

A Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN) publicou a sua avaliação global anual do progresso dos ODS[6], que revela que nenhum dos 17 ODS está no caminho certo para ser alcançado até 2030. O relatório oferece recomendações para a Cúpula do Futuro (SoF) melhorar a ONU para alcançar o desenvolvimento sustentável, resumido pelos cinco Ps – Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias.

A SDSN lançou o relatório em Paris, França, a 17 de junho de 2024. Publicado pela primeira vez em 2016, o Relatório de Desenvolvimento Sustentável, liderado pelo Presidente da SDSN, Jeffrey Sachs, fornece dados para acompanhar e classificar o desempenho de todos os Estados-membros da ONU nos 17 ODS.

O relatório é uma das várias avaliações dos ODS divulgadas todos os anos na preparação para o HLPF). O  Relatório de Progresso dos ODS do Secretário-Geral da ONU  e o Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Divisão de Estatísticas da ONU, ambos analisados páginas atrás neste Caderno, também informarão as deliberações do HLPF. As avaliações deste ano também apoiarão a Cúpula do Futuro (UNGA, setembro 2024).

Com o tema Os ODS e a Cúpula do Futuro da ONU, a nona edição do Relatório de Desenvolvimento Sustentável apresenta cinco conclusões principais:

• Em nível mundial, apenas 16% das metas dos ODS estão no bom caminho para serem alcançadas até 2030, com os restantes 84% demonstrando progressos limitados ou a sua reversão.
• O ritmo do progresso varia amplamente entre os grupos de países. Os países nórdicos continuam a liderar. Os países Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – demonstram fortes progressos. O relatório também apresenta resultados médios e perfis de países para os países Brics + (Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos), seguindo o convite do bloco em 2023 para incorporá-los na aliança. Pobres e vulneráveis, as nações estão muito atrasadas.
• Investimento de longo prazo continua a ser um desafio para o desenvolvimento sustentável, pelo que há necessidade urgente de reformar a arquitetura financeira global.
• Os desafios globais exigem cooperação global. O Índice de Apoio dos Países ao Multilateralismo Baseado na ONU (UN-Mi) do relatório classifica Barbados como o mais alto e os EUA, como o mais baixo no seu compromisso com a ONU.
• As metas dos ODS relacionadas com os sistemas alimentares e fundiários estão “particularmente fora do caminho”. Os caminhos Fable (Alimentação, Agricultura, Biodiversidade, Terra e Energia) descritos no relatório procuram apoiar sistemas alimentares e terrestres sustentáveis.

Como contribuição para a próxima Cúpula do Futuro, o relatório formula recomendações que se alinham com as cinco secções do Pacto para o Futuro: desenvolvimento sustentável e financiamento para o desenvolvimento (FfD); paz e segurança internacionais; ciência, tecnologia e inovação (CTI) e cooperação digital; juventude e gerações futuras; e transformar a governança global.

Entre as recomendações estão cinco estratégias complementares para reformar a arquitetura financeira global:

• Aumentar a escala do financiamento proveniente de fontes oficiais, incluindo a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) bilateral e instituições financeiras multilaterais (IFM), incluindo bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD);
• Aumentar a escala e o desempenho dos bancos de desenvolvimento nacionais orientados para a missão e adequados à finalidade, para fornecer financiamento a longo prazo para alcançar os ODS;
• Instituir uma tributação global sobre as emissões de dióxido de carbono (CO2), viagens aéreas e marítimas e transações financeiras, entre outros exemplos, “para mobilizar recursos globais suficientes para fornecer os bens públicos globais necessários”;
• Reformar os mercados de capitais privados e a sua regulamentação, incluindo o sistema de notação de crédito, em apoio a maiores fluxos privados de capital para os países de baixa renda (PBR) e para os países de renda média-baixa (PMBR); e
• Reestruturar as dívidas existentes, incluindo trocas de dívida por ODS, trocas de dívida por Natureza, taxas de juros mais baixas e financiamentos mais longos, que se alinhem com “o horizonte temporal para alcançar o desenvolvimento sustentável”.

O Índice e os Painéis de ODS do relatório classificam o desempenho nos ODS de todos os Estados-Membros da ONU, bem como os seus efeitos positivos e negativos nas capacidades de outros países para alcançá-los. Tal como acontece com a classificação de 2023 do desempenho global dos países quanto aos ODS, a Finlândia, a Suécia e a Dinamarca surgem no topo. A Serra Leoa, Madagáscar e a Zâmbia causam os efeitos de repercussão mais positivos e menos negativos.

A Declaração Ministerial do HLPF[7]

A Declaração Ministerial será o principal resultado do HLPF. Nos últimos três dias do Foro Político de Alto Nível, os ministros deverão examinar as conclusões e considerar o projeto de declaração[8] preparado de antemão pela Presidente e a sua equipe de colaboradores. A declaração, uma vez aprovada, será encaminhada à 79ª sessão da AGNU, que terá início na terça-feira, dia 10 de setembro do corrente ano. A declaração será então objeto de consideração da Cúpula do Futuro (22 e 23 de setembro) e, em seguida, do debate geral da 79ª AGNU, com início previsto para a terça-feira, dia 24.

Como se pode ver pelo trajeto que terá a Declaração Ministerial, não se trata de mais um documento da ONU. As origens da Declaração remontam a setembro de 2020, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a resolução A/Res/75/1 – Declaração sobre a comemoração do 75º aniversário das Nações Unidas[9]. Era para comemorar, mas não somente. O mundo estava, e ainda está, em situação de sobreposição de crises, todas gravíssimas. Era o momento de revitalizar os compromissos e dar à ONU os instrumentos para conduzir o navio no mar de tempestades ameaçadoras. É nesse contexto que os representantes dos Estados-membros solicitam ao secretário geral a produção de um documento que oriente a Organização nesses novos tempos tumultuosos.

No ano seguinte, na 76ª sessão da Assembleia Geral, António Guterres apresentou o importante documento Nossa Agenda Comum[10] que, em grandes linhas, propõe revigorar o multilateralismo, energizar a implementação dos compromissos existentes, buscar soluções comuns para desafios comuns e, por último, mas não menos importante, resgatar a confiança. O secretário geral também propôs que Nossa Agenda Comum fosse o documento de base para a realização da Cúpula do Futuro, que deveria realizar-se em setembro de 2024.

Tanto Nossa Agenda Comum, como a ideia da Cúpula do Futuro foram aprovadas pela 76ª AGNU. Desde então o Secretariado tem preparado documentos que serão considerados nessa ocasião. São os seguintes esses documentos: Pacto do Futuro, Declaração sobre as Gerações Futuras e Compromisso Digital Global[11].

Os três textos inserem-se nos propósitos da Agenda 2030 e os 17 ODS, que são a matriz a partir da qual deve buscar-se avançar no caminho do desenvolvimento sustentável.

É nesse contexto extraordinário que o HLPF 2024 é especial. O Fórum, como todos os anos, examinará os avanços dos ODS e fará sugestões, mas, desta vez, olhando para a Cúpula do Futuro, para os compromissos acordados em Nossa Agenda Comum, bem como para os documentos Pacto do Futuro, Declaração sobre as Gerações Futuras e o Compromisso Digital Global e a Declaração Ministerial adotada na Cúpula dos ODS, realizada em 2023[12].

O projeto zero da Declaração Ministerial, bem como os documentos de apoio estão disponíveis para serem acessados[13]. À diferença da Declaração de 2023, a que deverá emanar do HLPF 2024 é menos extensa e mais focada.

O texto da Declaração deverá deter-se brevemente sobre as principais tendências no mundo, os desafios e os seus impactos nos ODS. Em seguida deverá propor o que considera mais urgente: ações prioritárias e novos caminhos para a sua realização bem como para o financiamento dos ODS. É aqui que deverão surgir os elementos de conexão com o Pacto para o Futuro e a Cúpula para o Futuro, que deve ser interpretada como a oportunidade para fazer frente aos novos desafios para os quais a Organização não estaria plenamente preparada. Como diz o secretário geral na página web da Cúpula para o Futuro, “não podemos construir um futuro para os nossos netos com um sistema criado por nossos avôs”.

O principal desafio do HLPF e da Cúpula para o Futuro é sair da camisa de força da arquitetura financeira internacional, que é o principal obstáculo para se alcançar o desenvolvimento sustentável. Com efeito, os países em desenvolvimento têm que recorrer a empréstimos extorsivos para levarem adiante os ODS. Segundo relatório da Unctad de 2024 intitulado A world of debt to global prosperity, 3.3 bilhões de pessoas no mundo vivem em países que devem decidir entre investir no desenvolvimento ou pagar os custos dos empréstimos que para países africanos podem ser 4 vezes superiores àqueles cobrados aos EUA e até 8 vezes aos da Alemanha. A iniquidade está imprimida no DNA do sistema financeiro internacional e isso tem que mudar.

A Declaração Ministerial tem que enfatizar as iniquidades em geral, mas terá que sublinhar que a única forma de avançar é mudando o sistema financeiro internacional da cabeça aos pés. Não é mais possível empurrar com a barriga, como se tudo estivesse bem e o tempo estivesse a nosso favor. Não há mais tempo. É preciso mudar e transformar todo o sistema. A alternativa é não fazer nada, mas o preço será muito maior e, com certeza, impagável.

[1] Cúpula dos ODS de 2023 - A Cúpula dos ODS de 2023 se realizou, em 18 e 19 de setembro de 2023, na sede das Nações Unidas em Nova York. Segundo o secretário-geral António Guterres, marcou o início de uma nova fase de progresso acelerado em direção aos ODS, com orientação política de alto nível sobre ações transformadoras e aceleradas até 2030. Convocada pelo Presidente da Assembleia Geral, a Cúpula marcou a metade do prazo estabelecido para a concretização da Agenda 2030 e dos ODS. Foi a peça central da Semana de Alto Nível da Assembleia Geral. Ainda segundo Guterres, respondeu ao impacto das crises múltiplas e interligadas que o mundo enfrenta e espera-se que reacenda um sentimento de esperança, otimismo e entusiasmo pela Agenda 2030.

[2] https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n23/306/68/pdf/n2330668.pdf?token=AuCG367WlvNoId3zRF&fe=true

[3] https://sdgs.un.org/sites/default/files/2024-05/2024HLPF_SpecialEvents_0.pdf

[4] Acesso: https://unstats.un.org/sdgs/report/2024/The-Sustainable-Development-Goals-Report-2024.pdf

[5] Acesso: Financing for Sustainable Development Report 2024 | DESA Publications (un.org)

[6] Sachs, J.D., Lafortune, G., Fuller, G. (2024). The SDGs and the UN Summit of the Future. Sustainable Development Report 2024. Paris: SDSN, Dublin: Dublin University Press. doi:10.25546/108572 Acesso: https://s3.amazonaws.com/sustainabledevelopment.report/2024/sustainable-development-report-2024.pdf

[7] Acesso: https://hlpf.un.org/sites/default/files/2024-05/Zero%20Draft%2030%20Apr%202024.pdf

[8] https://hlpf.un.org/sites/default/files/2024-05/Zero%20Draft%2030%20Apr%202024.pdf

[9] https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n20/248/80/pdf/n2024880.pdf?token=ZQ9W6OutlOHJb15uHH&fe=true

[10] https://www.un.org/en/common-agenda

[11] https://www.un.org/en/summit-of-the-future

[12] https://www.un.org/en/conferences/SDGSummit2023/political-declaration

[13] https://hlpf.un.org/2024/outcomes