Cristiani Machado: ‘No Brasil, aproximadamente metade da produção científica já é liderada por mulheres’
Uma proporção bem elevada da produção científica nacional, hoje, tem autoras ou coautoras mulheres. Mas, quando olhamos, por exemplo, no CNPq, as bolsas de produtividade – dadas para cientistas de destaque – a desigualdade na distribuição ainda é grande, porque reflete um processo histórico e a proporção de mulheres que recebem é menor. A observação é da vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado.
Em entrevista para o blog do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE-Fiocruz), e em consonância com as comemorações do Dia Internacional da Mulher em 08 de março, e do Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, instituído em 2015 pela Assembleia das Nações Unidas e comemorado em 11 de fevereiro, a vice-presidente faz uma reflexão sobre a importância e o impacto da produção científica feminina, pensando o futuro da ciência, as novas formas de conhecimento e o desenvolvimento a serviço da vida, a partir da equidade de gênero.
Conforme observa Cristiani Machado, as mulheres têm uma contribuição muito relevante a dar no campo científico, assim como nas diversas áreas da vida social, mas “vivemos num país em que a desigualdade de gênero ainda é marcante”. Segundo a professora, embora as mulheres representem metade da população mundial, “apenas um terço das cientistas são mulheres”, consequência direta de “desequilíbrios que são históricos”.
Ao mesmo tempo, ela avalia também que o cenário vem se transformando. “Tem aumentado a proporção de mulheres que avançam na escolaridade, que fazem educação superior e chegam até a uma pós-graduação. As mulheres estão escolhendo mais as profissões científicas, embora haja desigualdade entre os campos de conhecimento”, aponta.
Cristiani Machado propõe discutir e enfrentar essas questões, para incentivar que as meninas conheçam, desde criança, diversas possibilidades profissionais, e romper com estereótipos que prejudicam suas escolhas.“A dimensão histórico-estrutural dos papeis de gênero na sociedade continua decisiva. Até algumas décadas atrás, não era reservado às mulheres fazer curso superior. A expectativa era que casassem, cuidassem da casa, da família, das crianças e dos idosos, enquanto os homens iam trabalhar fora e sustentar a casa. Uma visão estrutural da mulher num lugar restrito”, lembra a professora apontando as desigualdades imbricadas no processo de mudança desse cenário. “Isso começou a mudar primeiro para as mulheres de classes médias, que passaram a ter a possibilidade de estudar, fazer um curso superior etc. Apesar de, às vezes, ser à custa de outras mulheres que ficaram cuidando dos seus filhos”, analisa.
Para a professora, enfrentar e ampliar as discussões sobre as desigualdades estruturais e implementar políticas que promovam a equidade de gênero é um desafio da sociedade. “As políticas públicas são cruciais para promover a equidade. Precisamos de políticas mais amplas de curto, médio e longo prazo para redução desse quadro de desigualdade, abarcando as várias dimensões, de regulação do mercado de trabalho, de promoção do emprego qualificado e da garantia de direitos trabalhistas, para transformar esse mercado, onde as mulheres ocupam grande proporção dos postos informais e de baixa qualificação”, avalia.
Para Cristiani, a Saúde é um campo que pode contribuir muito para isso, pois gera empregos qualificados e bem-estar.
Em relação à igualdade de gênero como pilar fundamental para o acesso equitativo à ciência, à pesquisa e à educação, Cristiani Machado destaca o papel da Fiocruz na criação de programas de incentivo como o Mulheres e Meninas na Ciência, que integra o calendário de atividades comemorativas da instituição desde 2019. “Já tínhamos ações e iniciativas variadas antes. Também, elegemos, em 120 anos de história, a primeira mulher presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, que assumiu em 2017 e foi reeleita”.
Como destaca a professora, a presidente Nísia tomou, desde o inicio de sua gestão, a equidade de gênero como prioridade e foi decisiva na priorização do projeto Mulheres e Meninas na Ciência.“O programa tem quatro eixos: valorização da trajetória das mulheres cientistas, com a produção de vídeos com relatos de experiência das cientistas nos variados campos; o Meninas na ciência, incentivo para jovens meninas conhecerem a atividade e a produção científica, porque acreditamos que toda menina pode ser o que ela quiser – embora, nem sempre, as condições estejam dadas; incentivo ao estudo sobre gênero e saúde; e discussão sobre desigualdades de gênero na ciência e na saúde, numa perspectiva ampla, da interseccionalidade, e que chame atenção para a importância de se articularem as políticas para equidade de gênero a outras políticas pró-equidade”, aponta. ”E que nossas políticas institucionais estejam, também, articuladas a uma pauta mais abrangente da política pública”, pontua.
Para concluir, Cristiani destaca o impacto científico da produção feminina nacional e propõe muita ação coordenada para superar as desigualdades da sociedade brasileira. “No Brasil, aproximadamente, metade da produção científica já é liderada por mulheres. Em décadas anteriores elas ficaram em segundo plano, mas atualmente temos mulheres liderando grupos de pesquisa muito importantes e liderando a produção científica de artigos e livros. Em alguns campos do conhecimento, isso é mais forte, em outros, está mudando gradualmente, por força da desigualdade na quantidade de cientistas homens e cientistas mulheres”.