Confiança e solidariedade – Santiago Alcazar e Paulo Buss
O Foro Político de Alto Nível (HLPF, nas siglas em inglês), que, em 2024, realiza-se de 8 a 17 de julho, é a plataforma política do Conselho Econômico e Social (Ecosoc), com mandato para acompanhar a evolução da Agenda 2030 e os ODS. Os últimos três dias do HLPF dedicam-se à reunião de ministros e à adoção da declaração política a ser encaminhada à Cúpula para o Futuro, a realizar-se nos dias 22 e 23 de setembro, no âmbito da 79ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU)[1]. O que segue é uma breve memória para ajudar o leitor a não se perder na confluência de eventos que fazem o contexto.
Em setembro de 2020, a AGNU adotou a resolução A/Res/75/1, Declaração sobre a comemoração do 75º aniversário da Organização das Nações Unidas[2]. A ocasião era para celebrar, mas o mundo estava assolado por iniquidades crescentes, pobreza, fome, conflito armado, terrorismo, mudança climática e pandemias. A Covid-19 havia sido declarada pandemia em 13 de março daquele ano e, em apenas algumas semanas, já se mostrava como o maior desafio global da história das Nações Unidas. O medo generalizado da Covid-19 aumentava à medida que a opinião de especialistas, segundo a qual esta seria a primeira de uma série de pandemias, consolidava-se nas crenças comuns do dia a dia. A cada dia, vinham anúncios de mortes, sofrimentos, incompetência administrativa, má-fé política, negacionismos e uma vontade absurda de destruir as bases da convivência civilizada. A Covid-19 trouxe à tona, ademais, a evidência de que nosso mundo está interconectado como nunca e que somos tão fortes como o elo mais frágil dessa cadeia de relacionamentos.
Para os que se reuniram naquela 75ª sessão da AGNU era preciso voltar a privilegiar a Agenda 2030, o caminho de consenso para o desenvolvimento sustentável. Para eles, era preciso retomar o ideal de transformar nosso mundo, como anunciado pela resolução A/Res/70/1[3], que lhe dera origem. Era o momento de revitalizar os compromissos, reiterar as promessas e solicitar ao secretário-geral das Nações Unidas que preparasse um documento com esse espírito desbravador renovado.
A ‘Carta das Nações Unidas’ é, ou deveria ser, a base para todas as ações da comunidade de nações. Acontece que tem sido prática corrente colher alguns princípios e valores assentados na Carta em prejuízo de outros
O documento com espírito desbravador renovado é Nossa agenda comum[4], apresentado na AGNU seguinte, a 76ª sessão, em 2021. O documento é a visão do Secretariado sobre o desafio que temos pela frente e o que tem de ser feito para sair da sobreposição de crises. Em grandes linhas, propõe reafirmar a Carta das Nações Unidas, revigorar o multilateralismo, reforçar a implementação dos compromissos existentes, acordar soluções comuns para os desafios comuns e resgatar a confiança.
A Carta das Nações Unidas é, ou deveria ser, a base para todas as ações da comunidade de nações. Acontece que tem sido prática corrente colher alguns princípios e valores assentados na Carta em prejuízo de outros, o que na linguagem onusiana se chama cherry-picking. Os três pilares sobre os quais se assenta a Carta são a paz, os direitos humanos e a cooperação para o desenvolvimento.
Com respeito ao pilar da paz, a guerra na Ucrânia e o genocídio em Gaza, somente para ficar nos exemplos recentes mais emblemáticos, são eloquentes provas da incapacidade de frear os desmedidos políticos que conduzem à espiral da violência. O exorbitante volume de recursos para defesa quando comparados à Agenda 2030 e os ODS, ademais, constituem demonstração irrefutável da fragilidade desse pilar. Com relação ao pilar dos direitos humanos, bastaria passar em revista as inúmeras resoluções da AGNU e do Conselho de Segurança sobre Palestina, solenemente ignoradas pelos EUA, Israel e seus aliados, para convencer-se de que esse pilar, como o da paz, parece carcomido. O terceiro pilar, o do desenvolvimento – alçado ao status de direito pela Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento[5], adotada pela AGNU, em 1986, e cuja interpretação mais atualizada é a Agenda 2030 e seus ODS – parece mais um sinal de interrogação que uma coluna para sustentar peso.
A história das Nações Unidas poderia ser analisada a partir dos contínuos fracassos em levar adiante a proposta do desenvolvimento. É significativo que após quase 80 anos o problema do desenvolvimento ainda permaneça sem solução para aproximadamente dois terços dos Estados-membros. Por isso a interrogação: que desenvolvimento?
Com respeito às outras quatro propostas contidas em Nossa Agenda Comum – revigorar o multilateralismo, reforçar a implementação dos compromissos existentes, acordar soluções comuns para desafios comuns e resgatar a confiança – as três primeiras dizem respeito ao que se espera de uma organização como a ONU. Evidentemente não há outra opção senão um multilateralismo forte, que exija o cumprimento dos compromissos adotados e que tenha como missão primordial a busca de soluções comuns para desafios comuns. Ninguém em sã consciência objetará que a ONU cumpra esses nobres propósitos.
O problema é que, para fazê-lo, é necessário que haja confiança, justamente o teor da quarta proposta: o resgate da confiança. Resgatar é voltar a tomar, recuperar algo que se perdeu, portanto; algo sem o que nada pode ser feito de boa fé. Não se pode investir na paz, nos direitos humanos ou no desenvolvimento, pois fica faltando a honestidade, a convicção, a boa intenção. Desde quando se perdeu a confiança, poder-se-ia perguntar. Desde sempre, seria a resposta mais coerente, a julgar pela falência dos três pilares em sustentar os princípios e os valores sobre os quais se erigiu o sonho de nações unidas em torno do ideal da paz, do respeito aos direitos humanos e da promoção do desenvolvimento.
A introdução ao documento [‘Pacto para o futuro’] resume o propósito do secretariado e deveria ser aquele que venha a ser abraçado pelos líderes. Diz a introdução: ‘Em 2015 resolvemos liberar a humanidade da tirania da pobreza e cuidar de nosso planeta’
A má-fé da Aliança Atlântica levou à insana guerra na Ucrânia. A má-fé permite o genocídio de palestinos pelo regime de Tel Aviv. A má-fé impede a plena realização dos direitos humanos. A má-fé obstaculiza o avanço para o desenvolvimento.
Em Nossa Agenda Comum o secretário geral propõe a Cúpula para o Futuro, bem como a adoção de um Pacto para o Futuro.
A versão zero do Pacto para o Futuro está disponível na página web da Cúpula para o Futuro[6]. Trata-se de documento com cinco capítulos e 51 recomendações de ação. A introdução ao documento resume o propósito do secretariado e deveria ser aquele que venha a ser abraçado pelos líderes. Diz a introdução: Em 2015 resolvemos liberar a humanidade da tirania da pobreza e cuidar de nosso planeta.
Palavras fortes e decididas, aguardando ações igualmente fortes e decididas. Infelizmente, como reconhece o projeto zero do Pacto, a pobreza aumentou, as inequidades se ampliaram, enquanto a mudança climática, a perda de biodiversidade e a poluição representam um sério risco ao meio ambiente e interpõem uma barreira quase intransponível para o desenvolvimento.
Nós não aceitaremos um futuro em que a dignidade e a oportunidade sejam negadas à metade da população do mundo ou que constituam, ao contrário, privilégio de uns poucos.
Os cinco capítulos do projeto de Pacto são os seguintes: i) desenvolvimento sustentável e financiamento sustentável; ii) paz e segurança internacional; iii) ciência, tecnologia, inovação e cooperação digital; iv) juventude e gerações futuras; v) transformação da governança global.
Cabem breves comentários sobre cada um dos capítulos para oferecer o contexto em que se situam no corpo do documento.
Com respeito ao capítulo i) desenvolvimento sustentável e financiamento sustentável – o projeto zero faz menção à importância de efetivar os ideais consubstanciados no projeto zero da declaração política que emanará da reunião ministerial do HLPF[7], bem como os princípios inscritos na Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Rio-92[8] e o cumprimento dos compromissos da Agenda de Ação de Adis Abeba[9]. A preocupação central é o crescente gap financeiro para garantir o financiamento dos ODS. Antes da pandemia da Covid-19, os recursos financeiros para cumprir os 17 ODS eram da ordem de aproximadamente US$ 2 trilhões anuais. Segundo o relatório sobre os ODS 2024, o gap hoje seria superior a US$ 4 trilhões anuais. A soma talvez impressione, mas compare-se com o gasto militar em defesa, que em 2023 foi pouco superior a US$ 2,4 trilhões[10], e se terá uma ideia de onde se situam as prioridades da agenda internacional: a defesa da paz e o do desenvolvimento ou a espiral da violência que conduz a todas as guerras? A questão agrava-se ainda com o peso da dívida dos países em desenvolvimento, que os obrigam a verdadeira escolha de Sofia: investir nos ODS ou pagamento do serviço da dívida?
Segundo o relatório da Unctad, os custos para empréstimos em países africanos podem ser quatro vezes superiores àqueles dos EUA, e até oito vezes os da Alemanha. A iniquidade está imprimida no DNA do sistema financeiro internacional, e isso tem que mudar
Segundo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) de 2024, intitulado A world of debt to global prosperity, 3,3 bilhões de pessoas no mundo vivem em países que enfrentam aquela escolha de Sofia. Os países em desenvolvimento têm que conviver com uma arquitetura financeira internacional que exacerba os impactos negativos da sobreposição de crises sobre o desenvolvimento sustentável. Os países em desenvolvimento são obrigados a ter de recorrer a empréstimos em condições desfavoráveis, assim gerando a lógica de endividamento perverso. Segundo o relatório da Unctad, os custos para empréstimos em países africanos podem ser quatro vezes superiores àqueles dos EUA, e até oito vezes os da Alemanha. A iniquidade está imprimida no DNA do sistema financeiro internacional, e isso tem que mudar.
Com respeito ao capítulo ii) paz e segurança internacional – é preciso ter presente que existem atualmente muitos conflitos armados que trazem morte, sofrimentos, deslocamentos, destruição e atrasos. Há dois, contudo, que hoje podem constituir-se em tragédias de proporções desconhecidas: a guerra na Ucrânia e o genocídio em Gaza.
O que diferencia o primeiro conflito armado dos demais é a dimensão nuclear entre os oponentes. Rússia e Otan, com orquestração dos EUA, têm efetivamente, capacidade para destruir o planeta diversas vezes. Não é esse o lugar para comentar sobre as causas que levaram ao confronto. Aqui cabe apenas apontar para o fato de que, para ambos os lados, o resultado se torna uma questão existencial. A Rússia jamais admitirá derrota que implique submissão a uma eventual hegemonia norte-americana, e tudo fará para impedir que isso aconteça, inclusive lançando mão de seu poderoso arsenal nuclear, maior que o de seus oponentes. Para a Otan, a situação é um pouco diferente, mas igualmente grave. Washington e os aliados europeus conformam a Otan, mas não se deve pensar que constituem um bloco monolítico, não obstante as declarações nesse sentido. Washington pode, a qualquer momento, largar os europeus e aceitar negociar com a Rússia, se entender que é impossível obter uma vitória no campo de batalha. Nesse caso, os europeus se viriam na situação incômoda de ter de aceitar os termos que obviamente serão mais favoráveis para a Rússia, com as consequências que isso representaria. A defesa da Ucrânia teria que ser abandonada. O país veria suas dimensões geográfica, econômica e política significativamente reduzidas e altamente dependente de ajuda externa, o que o tornaria o novo sick man of Europe.
É altamente duvidoso, ademais, que o extraordinário celeiro ucraniano sobreviva ao desastre ambiental. É possível que ainda não exista uma percepção nítida da existência de uma linha vermelha, que não pode ser ultrapassada, sob hipótese alguma, por nenhum dos lados. É óbvio, no entanto, que mais cedo ou mais tarde ela será apresentada de maneira brutal. Espera-se, talvez com incontido otimismo, que não se chegue a esse ponto imaginário de não retorno. A hora é da diplomacia e do velho bom senso, que terá que voltar a andar, ainda que com muletas.
O caso do Oriente Médio talvez não seja tão crítico, mas nada se pode deixar ao acaso, uma vez que existe a probabilidade de que o incêndio se propague a toda a região e a outras, em círculos concêntricos, até atingir o resto do mundo, se a confrontação adquirir conotações religiosas. A ameaça crescente de conflito envolvendo Israel e o Líbano pode desencadear efeito cascata, com o provável envolvimento do Irã, que dispõe de armas nucleares, dos EUA e da Rússia. O regime de Tel Aviv encontra-se cada vez mais isolado. Os países do Sul Global já tomaram lado e vários países europeus, também. A solução para essa complexa equação depende única e exclusivamente dos EUA, para quem Israel é seu mais importante aliado e, por essa razão, não medirá esforços para evitar derrota no campo militar, mas sobretudo no campo político.
A questão não chega a ser existencial, ao menos para os EUA, que têm no pragmatismo a principal bússola de sua política externa. Nesse contexto, não precisam abandonar Israel, apenas usar de todos os meios de que dispõem para reorientar suas aspirações, garantindo-lhe segurança e paz. Será, talvez, necessário, sacrificar o sionismo, mas que importância pode ter isso quando Israel já é um Estado soberano internacionalmente reconhecido, membro das Nações Unidas e de todas as suas agências? É melhor negócio para todos viver em paz e segurança, rezam os ditames do pragmatismo, a menos que se interponham os interesses do lobby das armas, e aí também haveria um pragmatismo, menos evidente, mas não menos possível. Em todo caso, enquanto a solução dos dois Estados convivendo em paz e segurança não for efetivada, não haverá nem paz nem segurança, apenas uma espiral de violência e de lamentos do que poderia ter sido um mundo melhor.
Os comentários sobre os capítulos iii) ciência, tecnologia, inovação e cooperação digital e iv) juventude e gerações futuras serão deixados para outra oportunidade em artigos separados.
O capítulo v) transformação da governança global talvez seja o mais crucial, mas, ao mesmo tempo, o mais difícil de levar adiante. Ademais de ambicioso pela dimensão que encerra, a transformação da governança global é algo que pode ser feito igualmente para o bem ou para o mal. Não há garantia de que exista modelo melhor do que esse que temos, com todos os seus defeitos e falhas. Sempre é possível piorar, diz o ditado.
Nada pode substituir a confiança, que alimenta a solidariedade e a energia para levar adiante as transformações necessárias para um mundo assolado pela fome, a pobreza, as iniquidades crescentes, conflitos armados, terrorismo, mudança climática e futuras pandemias
Reformar o Conselho de Segurança, para que seja mais democrático, representativo e operacional; conceder mais responsabilidades à AGNU, para que possa melhor enfrentar os desafios da mudança climática; fortalecer o Conselho Econômico e Social, com vistas a torná-lo o motor por excelência do desenvolvimento sustentável; conferir ao Secretariado os recursos e os instrumentos para levar adiante as decisões de seus Estados-membros; tornar o Banco Mundial e o FMI agências voltadas para o desenvolvimento sustentável – são desafios ciclópicos que podem ser realizados mediante uma única condição: confiança. Enquanto não houver confiança todas as soluções serão meias solas. Nada pode substituir a confiança, que alimenta a solidariedade e a energia para levar adiante as transformações necessárias para um mundo assolado pela fome, a pobreza, as iniquidades crescentes, conflitos armados, terrorismo, mudança climática e futuras pandemias.
Nada leva a crer que estamos em um ponto da história que permita inferir que a confiança instalou-se nas consciências dos líderes mundiais. É preocupante assistir ao avanço da extrema direita na Europa, com a violência que a caracteriza e a falta de confiança nos princípios e valores da Carta da ONU. Não ajuda que a disputa para as próximas eleições norte-americanas se dê entre um homem que apresenta alarmantes sinais de deterioração mental e um outro que confia apenas na mentira. É perturbante que 3 mil pessoas detenham mais de US$ 15 trilhões, equivalentes a 15% do PIB mundial ou à soma dos PIBs do Japão, da Alemanha, da Índia e do Reino Unido[11]; é perturbante porque essa enormidade de recursos reflete de maneira clara o estado de desigualdade e injustiça no mundo atual, que tendem a aumentar.
Todos os sinais acima são assustadores, mas o mais grave é ainda mais crítico. No documento Nossa Agenda Comum, que é o instrumento escolhido para relançar o ambicioso projeto de ação para uma nova etapa do multilateralismo, o Secretariado considerou importante esclarecer o que se entende pelo termo solidariedade. A definição, extraída da resolução A/Res/57/213, intitulada Promoção de uma ordem internacional democrática e equitativa, de 2003[12], esclarece, no parágrafo 4º inciso f, que a solidariedade “é um valor fundamental em virtude do qual desafios globais devem ser geridos de maneira que os custos e os ônus sejam distribuídos corretamente, de acordo com os princípios de equidade e justiça social, que asseguram que aqueles que sofrem ou são os menos beneficiados recebem ajuda daqueles que mais se beneficiam.
É extraordinário que a AGNU tenha tido o trabalho de definir o que é solidariedade, isso em 2003, 58 anos depois da criação das Nações Unidas. A Carta, pelo visto não a menciona, nem a Declaração Universal dos Direitos Humanos; nem os instrumentos jurídicos de direitos humanos que emanaram da Carta e da Declaração Universal. A solidariedade, é de se supor, era até então, até 2003, desconhecida. Agora, por meio de Nossa Agenda Comum, há o resgate desse fundamental conceito. Resgatar, havíamos dito, é voltar a tomar, a recuperar algo que se perdeu, portanto. A conclusão imediata é que, ao lado da confiança, que também se perdeu, é preciso resgatar a solidariedade. Mas como resgatar algo que talvez nunca tenha existido no dia a dia da ONU, a ponto de se ter de recorrer a uma definição para expressar aquilo que entre seres humanos normais é evidente, porque reflete o que há de mais profundo na condição humana? Não estranha que existam essas iniciativas para corrigir o que parecem ser disfunções orgânicas.
Cabe registrar as recomendações da Rede de Soluções das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável[13], presidida pelo economista Jeffrey Sachs. A Rede de Soluções conta com mais de 1,9 mil instituições-membros e 55 redes nacionais e regionais distribuídas em todo o mundo. As recomendações seguem os cinco capítulos do Pacto do Futuro e devem ser lidas em conjunto. Observações e comentários sobre esse importante documento, que deve embasar os debates do HLPF, seguirão em novo artigo.
De igual maneira, o relatório sobre o Desenvolvimento Sustentável 2024[14], oficialmente lançado pelo secretário geral das Nações Unidas dia 28 de junho, é o principal documento para medir os avanços dos ODS. Como seria de esperar, para alguém que vem acompanhando a evolução dos ODS, apenas 17% das metas estão a caminho de serem cumpridas. A metade mostra avanços insuficientes e um terço encontra-se paralisado ou em franca regressão. Como disse o secretário geral, por ocasião do lançamento do relatório, a realização dos compromissos sobre desenvolvimento sustentável está sendo reprovada. O fracasso para assegurar a paz, para confrontar a mudança climática e para comprometer recursos para o desenvolvimento sustentável estão minando a Agenda 2030 e os ODS. Contra esse complexo pano de fundo, ele propõe três ações transformadoras: i) paz; ii) solidariedade; e iii) empuxe para a implementação dos compromissos acordados. Essas propostas reformadoras foram comentadas neste artigo. Todas dependem de confiança e de boa fé, elementos que estariam a merecer definições precisas, como o termo solidariedade, que até 2003 ninguém aparentemente sabia o que era – e, hoje, salvo alguns iluminados, tampouco.
O Relatório sobre financiamento para o desenvolvimento sustentável, lançado em abril de 2024[15], reconhece que o desafio do financiamento está na origem da crise dos ODS. Segundo as projeções do relatório, 600 milhões de pessoas continuaram a viver na pobreza em 2030, a metade das quais seriam mulheres. O progresso na ação contra a mudança climática é lamentável e as emissões de gases de efeito estufa continuam a aumentar. As necessidades de financiamento para alcançar os ODS situar-se-iam hoje na casa dos trilhões de dólares, mas o custo da inação deverá ser muito maior. Ainda que tenha havido progresso na agenda de financiamento, acordado na Consenso de Monterrey sobre Financiamento para o Desenvolvimento[16], as mudanças em curso estão a reclamar volumes e compromissos incomparavelmente maiores. O relatório sobre financiamento deposita fé – outra palavra para confiança – na 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, prevista para 30 de junho a 3 de julho de 2025, na Espanha.
Espera-se que, até lá, todos tenham apreendido o que é solidariedade e confiança.
*Pesquisadores do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cris/Fiocruz).
[1] Para quem quiser explorar o mundo do HLPF é recomendável acessar a página https://hlpf.un.org
[2] https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n20/248/80/pdf/n2024880.pdf?token=ZQ9W6OutlOHJb15uHH&fe=true
[3] https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n15/291/89/pdf/n1529189.pdf?token=UrFtTBwwvsG2gBRckv&fe=true
[4] https://www.un.org/en/common-agenda
[5] https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/declaration-right-development
[6] https://www.un.org/en/summit-of-the-future
[7] Ver parágrafo primeiro acima. A Declaração ministerial será comentada em artigo separado com o Doutor Paulo Buss.
[8] http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20do%20Rio%201992.pdf
[9] https://brasil.un.org/pt-br/70189-adis-abeba-países-alcançam-acordo-histórico-para-financiar-nova-agenda-de-desenvolvimento-da
[10] https://www.dw.com/pt-br/gastos-militares-globais-atingem-novo-recorde-em-2023/a-68886898
[11] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2024/06/13/em-discurso-na-oit-lula-ataca-guerras-e-monopolio-da-ia-leia-a-integra.htm
[12] https://documents.un.org/doc/undoc/gen/n02/553/28/pdf/n0255328.pdf?token=tjF2QQmL2IW0fEaAO5&fe=true
[13] https://www.unsdsn.org/news/recommendations-of-the-un-sustainable-development-solutions-network-for-the-summit-of-the-future/
[14] https://unstats.un.org/sdgs/report/2024/
[15] https://desapublications.un.org/publications/financing-sustainable-development-report-2024
[16] https://www.un.org/en/development/desa/population/migration/generalassembly/docs/globalcompact/A_CONF.198_11.pdf