Carlos Gadelha: ‘A grande chave para retomar uma nova industrialização brasileira está baseada na vida, na saúde e na sustentabilidade ambiental’
“O conceito de desenvolvimento parte de uma visão da necessária soberania do país”, destacou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, ao sublinhar a importância da retomada de uma agenda da saúde que pense num projeto de desenvolvimento inclusivo, soberano, que tenha o acesso a ciência e tecnologia de qualidade e ofereça o que de melhor existe na saúde pensada em termos individuais e coletivos. “Esta retomada da agenda pelo BNDES vem ao encontro do que está nas diretrizes atuais do Ministério da Saúde e se traduz em ações importantes como a retomada da agenda do Complexo Econômico Industrial da Saúde, pensando ações voltadas a populações negligenciadas e novos formatos em que a inovação possa atender as necessidades do Sistema Único de Saúde”.
O destaque da Ministra se deu na abertura do seminário Saúde e Soberania: o Complexo Econômico Industrial da Saúde como estratégia de desenvolvimento para o Brasil, realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 12/09/23.
O evento contou com a participação do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, Carlos Gadelha, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e de diversas autoridades e especialistas em torno de discussões sobre convergência entre políticas sociais e industriais, destacando a saúde como vetor essencial do desenvolvimento.
Em sua exposição, Carlos Gadelha destacou a importância do programa Brasil Mais Produtivo, criado no governo Dilma Rouseff como um programa de consultoria a micro e pequenas empresas, visando aumento de produtividade. Em sua avaliação, ele foi fundamental na reorganização das linhas produtivas nacionais.
O secretário lembrou, também, da importante coalizão que havia entre o Ministério da Saúde e o Banco Nacional de Desenvolvimento, em prol da transformação de uma visão de mundo e de uma perspectiva que superasse a separação do econômico com o social, em torno de uma trajetória de desenvolvimento. “Foram os dois pilares iniciais, garantindo mercado e financiamento”, lembrou. Para o secretário, é esse tipo de atuação que se espera de um Estado, que esteja “preparado, qualificado e seja capaz de ser empreendedor”.
Entretanto, Gadelha disse que é preciso avançar mais, e dentro dessa agenda prospectiva, ele citou o lançamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), como a nova estratégia nacional no âmbito do grupo executivo do Complexo Econômico Industrial da Saúde. “O CNDI é o primeiro movimento de uma estratégia dentro da nova política industrial brasileira”, destacou.
O secretário explicou que, por falta da visão estratégica “de que saúde é desenvolvimento”, dois meses antes da pandemia, o Departamento do Complexo Industrial da Saúde foi extinto. “Não há mais Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), não há mais programa de inovação, não há mais o uso do poder de compra do Estado para o estímulo à inovação local, não há garantia e segurança do mercado para que se possa fomentar o investimento público e privado, não há segurança do gestor”, disse Gadelha, salientando a necessária volta e reconstrução da coordenação e do grupo executivo do complexo da saúde.
Conforme explicou o secretário, o Complexo Econômico Industrial da Saúde funciona como um sistema cujas atividades precisam caminhar juntas de forma a viabilizar uma base econômica para o objetivo que é pretendido. “Um grande motor do desenvolvimento que representa 10% do PIB”, explicou, lembrando a importância da Atenção Primária como “verdadeiro arranjo produtivo local espalhado em todo o território brasileiro”.
A Atenção Primária, de acordo com Gadelha, pode ser a nova fronteira do desenvolvimento ou da dependência, isso porque “um dos grandes desafios é fazer uma Atenção Primária à Saúde que seja humanizada, que dê o soro caseiro quando é necessário, mas que também use big data, inteligência artificial, tecnologia da informação”.
O secretário destacou ainda que ou temos capacidade tecnológica produtiva e uma base em um sistema econômico, ou não teremos capacidade de ter um SUS forte. “Um SUS com pés de barro não é um SUS que tem base econômica e tecnológica”, pontuou.
Os desafios da nova geração de política pública
“A patente de hoje é a vulnerabilidade do futuro”, afirmou Gadelha, destacando que, atualmente, “88% das patentes em saúde estão em apenas 10 países, nas mãos de poucas empresas”. Para reverter esse cenário, ele destacou a importância de políticas públicas e de estabilidade institucional que garanta o comprometimento do Estado com a inovação e a produção, garantindo, inclusive, a compra dos novos produtos que a indústria seja instada a produzir.
O secretário sublinhou que o avanço na capacidade tecnológica de inovação é fundamental para a própria sobrevivência do SUS. “Estamos falando da revolução tecnológica em curso, das tecnologias de informação para a Atenção Primária à Saúde, além de todo o sistema de atenção que integra a Atenção Especializada, pois o SUS é um sistema integral”, explicou.
Ao falar da Quarta Revolução Industrial, Gadelha salientou que o amplo emprego de suas tecnologias digitais de informação, tais como big data e inteligência artificial, estão acelerando o processo produtivo e a inovação. Para ilustrar as mudanças em curso, ele lembrou que algumas vacinas contra o vírus da Covid-19 foram produzidas em menos de um ano durante a pandemia. Um recorde jamais visto. “Antes a vacina que tinha sido desenvolvida no menor tempo foi contra a Rubéola, que levou quatro anos”, explicou, dizendo que a meta atual da OMS é de 100 dias. Para alcançá-la, assim como dar conta dos novos desafios que virão para a área, e tornar-se uma “sociedade 4.0”, o secretário explicou que o país vai precisar de um novo tipo de política pública, orientada por missão.
A reconversão industrial foi outro assunto abordado por Gadelha. Para implementar esse processo de adaptação da estrutura produtiva a fim de fabricar bens diferentes daqueles originalmente previstos, ele ressaltou ser necessário que o país tenha capacidade tecnológica e conhecimento do processo produtivo, lembrando que, por isso, o Brasil conseguiu começar a produzir vacinas contra a Covid-19 durante a pandemia.
“Quem não sabe fazer, não consegue nem comprar no mercado internacional”, sublinhou o secretário, citando as compras desastrosas de ventiladores pulmonares inadequados e por preços muito maiores do que o mercado durante a última crise sanitária. “Esse grau de vulnerabilidade pode atingir o SUS de ponta a ponta”, alertou.
Gadelha falou ainda sobre o papel das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), entre instituições públicas e empresas privadas, para ampliar o acesso a medicamentos e produtos considerados estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), além de fortalecer o Complexo Econômico-Industrial, promovendo a produção pública nacional e o desenvolvimento de novas tecnologias.
Iniciadas durante a gestão do ministro Temporão para a produção de medicamentos e biofármacos, essas parcerias pouparam “200 mil vidas em nosso país”, lembrou o secretário, em alusão à absorção tecnológica que viabilizou a produção das vacinas contra Covid-19 no país, não deixando, entretanto, de reconhecer a necessidade de aprimoramentos do instrumento.
A recuperação de instituições filantrópicas que prestam serviços à saúde, assim como a Santa Casa da Misericórdia, também, foi abordada por Gadelha. O processo, segundo o secretário, vai envolver condicionalidades, o estímulo de compras públicas e uma política de inovação nacional. “Estamos no forno com um programa de modernização e inovação na assistência”, explicou, salientando a importância do atendimento prestado por essas instituições à sociedade: “Se nós tiramos os serviços, tiramos a missão do SUS, tiramos a área que mais gera emprego na saúde”.
Por fim, Gadelha ressaltou a importância do CEIS como uma das seis grandes missões da nova política de desenvolvimento brasileira: reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde. Ao sublinhar o que a ministra Nísia vem afirmando sobre a saúde não ser apenas política social, o secretário argumentou que sem uma base econômica, tecnológica e de inovação não há como garantir o acesso universal, equânime e integral ao SUS para a população. A indústria que dá sustentação à área da saúde, explicou, “é a seiva que eleva a inovação e a entrada do Brasil em um mega sistema econômico que gera 9 milhões de empregos diretos”.
A meta da nova política, de acordo com o secretário, é internalizar no Brasil pelo menos 70% do que o SUS demanda. “Temos que garantir estabilidade e acesso ao SUS, para que ele não seja vulnerável e dependente. Então, essa meta é a da sociedade”, afirmou.
Para atender o SUS, expandindo e qualificando a oferta de serviços, o secretário explicou, ainda, que a nova política tem como objetivos o adensamento da produção nacional com capacidade de inovação, o cuidado com as doenças negligenciadas, além do desenvolvimento de tecnologias da informação e da comunicação com domínio nacional de dados.
A preocupação ambiental é outro ponto inovador dessa política em que “a economia, a inovação e a tecnologia estão a serviço da vida”, sublinhou Gadelha, explicando que a saúde aparece como área-chave para liderar a transição à um modelo de desenvolvimento mais sustentável. “Não faz sentido produzir em saúde e gerar dano ao meio ambiente”.
Além disso, a nova política contribuirá, também, para a saúde global. “Nos articulamos com a América Latina e com a África para uma política global generosa, que não repita a vergonha da pandemia, quando alguns países com poder e capacidade econômica tinham quatro vezes mais vacinas do que sua população necessitava. Enquanto em setembro de 2021, o Haiti não tinha aplicado sequer uma dose”, finalizou Gadelha.