Carlos Gadelha: ‘Sem mudança na dimensão econômica da produção, não teremos uma sociedade equânime e sustentável’
“A visão do Complexo Econômico Industrial da Saúde parte da concepção de que as transformações políticas, sociais e ambientais são indissociáveis da dimensão econômica, produtiva, e da ciência, tecnologia e inovação. Nesse sentido, não há sociedade equânime e sustentável, se a dimensão econômica da produção não muda”, destaca Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde do Ministério da Saúde (Sectics/MS), em aula inaugural do ano acadêmico de Farmanguinhos, realizada em 4/3/24.
Sob o tema Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) no país da reconstrução, Gadelha, que também é coordenador científico do CEE-Fiocruz, abordou os desafios do desenvolvimento nacional apontando o potencial da área da saúde como alternativa estratégica.
Para o secretário, a reconstrução da economia nacional passa pela mudança tanto do mundo econômico e material, quanto do mundo da ciência e da tecnologia. Sem isso, avaliou, “reproduziremos o modelo de sociedade que é excludente e insustentável”.
Conforme defendeu Gadelha, pensar o desenvolvimento tendo a saúde como base é central, principalmente, quando se entende a vida e o planeta como protagonistas no processo de reconstrução do cenário nacional.
Ele lembrou que a industrialização brasileira, entre o século XIX e XX, foi marcada pelo “complexo cafeeiro e automobilístico diante de um país desigual, excludente e com uma trajetória insustentável do ponto de vista ambiental”, enquanto, hoje, pensar a reindustrialização passa pela reconstrução da economia nacional a partir da inovação e da sustentabilidade ambiental. “Uma ciência boa é aquela que evolui e incorpora o avanço, mas, ao mesmo tempo, coloca novos desafios numa busca incansável pela verdade e pela contribuição para a vida nacional”, observou.
Ao falar sobre pesquisa e inovação na educação, Gadelha chamou a atenção dos alunos para a importância de uma agenda de ensino e de pesquisa integrada à capacidade de produção e resposta do país. Para o secretário, com soberania, teremos capacidade de garantir o acesso universal, estruturalmente, no âmbito do SUS.
“Ter uma área de produção forte nos dá chance de voltarmos às doenças negligenciadas, entrarmos na moderna biotecnologia, e termos uma agenda de pesquisa, inclusive, uma agenda de pesquisa social, que nos ajude a pensar qual é o futuro da saúde pública e qual é a tecnologia de que precisamos. O futuro não está dado”, salientou.
O secretário lembrou, ainda, a pandemia de Covid-19, destacando a relação entre vulnerabilidade e dependência nacional. De acordo com Gadelha, houve, durante a pandemia, um descompasso entre acesso universal e o sistema de produção, agravando a dependência de insumos farmacêuticos ativos para 88% e de biotecnológicos para 91%.
A dependência evidenciada durante a crise sanitária, apontou Gadelha, fez com que a atual gestão do Ministério da Saúde, em acordo com o novo marco político e regulatório de produção e inovação em saúde no Brasil, se comprometesse com a meta de alcançar a produção local de pelo menos 70% da demanda nacional em saúde.
Em busca desses avanços, Gadelha enfatizou a importância da articulação entre os setores público e privado. “A agenda da soberania nacional passa por alcançar o domínio produtivo e tecnológico e pela articulação do setor público com setor privado, tendo como direção as necessidades do Sistema Único de Saúde, em prol de um sistema produtivo e econômico da saúde, sustentável para o meio ambiente”, defendeu, destacando a necessidade de o Estado entender seu papel nesse processo. “Se o Estado não tiver coragem e ousadia, vai atender as demandas de um país desigual e insustentável”.
Estamos diante da Quarta Revolução Tecnológica, que, ao ser pensada a partir da garantia do acesso universal e equânime à saúde, põe o “sistema produtivo e tecnológico a serviço da vida”, apontou o secretário.
Gadelha ressaltou que é preciso pensar o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, a base econômica e material da garantia da saúde, como estratégica na reconstrução e preparação de uma nova economia nacional, convidando a “aprofundar a nossa missão dentro do contexto da preparação para o século XXI”.
Conforme observou, não há espaço para políticas econômicas, de inovação, de pesquisa e de ensino dissociadas do modelo de sociedade que está sendo criado. “Como posso discutir um padrão produtivo que cuide das pessoas quando na minha matriz econômica de transporte público o grosso da população não tem um transporte coletivo decente?”, exemplificou.
Pensar os desafios produtivos e tecnológicos da saúde a partir da ampliação do acesso e da produção nacional a serviço da vida, apontou Gadelha, rompe com a visão de uma política pública que, no passado, opunha a política industrial e econômica à política social. “O padrão econômico, produtivo e tecnológico é indissociável do padrão social. Sem essa união, a política social torna-se compensatória e não estruturante”, salientou.
Gadelha defendeu o CEIS como uma chave, um vetor, para uma nova estratégia de desenvolvimento. “O sistema econômico da saúde representa em torno de 10% do PIB; 9 milhões de empregos; 35% da pesquisa brasileira, com alto potencial de estimular a economia e de permitir a entrada na quarta revolução tecnológica”, enumerou. “É a base econômica e material para garantirmos o acesso universal e equânime a saúde”.
Gadelha destacou, ainda, a recriação, no âmbito da Sectics, do Departamento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, com o objetivo de implementar a nova política industrial brasileira, orientada por missões, voltada a desenvolver e monitorar a inovação estratégica baseada nos pontos fortes do sistema inovativo nacional e superar as fragilidades do país. “É o Complexo ajudando a revigorar a economia nacional como um todo, gerando soberania e reduzindo vulnerabilidades”, enfatizou.
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