Atenção primária à saúde é central no SUS em meio à pandemia, defende pesquisadora
Por: Ana Paula Evangelista
O Sistema Único de Saúde (SUS) é a porta de entrada de acesso à saúde para a população brasileira. Por meio da atenção primária à saúde (APS), toda a população é de alguma maneira impactada pelos serviços realizados pelo sistema, seja por meio de campanhas de vacinação, do Programa Nacional de Sangue e Hemoderivados, que regula o sistema de doação de sangue, por exemplo, ou de ações da Vigilância Sanitária.
Durante a pandemia de covid-19, os serviços realizados pela atenção primária se mostram fundamentais por atingir toda a população, principalmente a mais pobre, ressalta Mariana Nogueira, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).
Por meio da atenção primária é possível realizar ações territorializadas que identifiquem casos suspeitos de covid-19, assim como o acompanhamento da evolução da doença. A pesquisadora aponta porém que a APS enfrenta desafios relacionados às políticas de austeridade fiscal anteriores à pandemia.
"Os desafios que compõem a APS são aprofundados pelo novo vírus, mas não são constituídos por esse agente etiológico, e sim por consequências do aprofundamento das políticas de austeridade fiscal colocadas antes da pandemia e agora também neste momento de pandemia", afirma.
A pesquisadora ressalta que os principais desafios para a APS não se referem somente às necessárias alterações na infraestrutura nas unidades de saúde pública, mas "a desafios históricos constituídos por precariedade do SUS e por consequências do aprofundamento da crise econômica, social e sanitária que vivíamos antes da pandemia", defende.
Leitos
Um levantamento realizado pela Agência Estado no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do portal Datasus, o SUS oferece 44% dos leitos de UTIs existentes em todo o país, utilizados por 75% da população. O restante, cerca de 25% dos indivíduos brasileiros, tem acesso aos leitos da rede privada de saúde, que somam 56% do total de leitos.
“Não é possível naturalizar que o SUS tenha 1,8 leitos por 10 mil habitantes, enquanto no setor privado existam 7,3 leitos para a mesma quantidade de pessoas", ressalta.
Para Nogueira, pensar em um SUS pós pandemia passa necessariamente por entender a abrangência e essencialidade da APS, assim como a realidade em que esse sistema está cravado. “Implica em analisarmos o aprofundamento da miséria e do desemprego, que assolam os moradores onde a APS é realizada", ressalta.
Desafios
A pesquisadora ressalta a essencialidade, da atenção primária a saúde para redução da mortalidade infantil, avanço da cobertura vacinal, construção de redes de apoio social, integração de ações de atenção psicossocial, vigilância ativa e comunitária em saúde, prevenção de doenças, suporte aos grupos mais vulnerabilizados e até mesmo combate à violência doméstica.
Mariana Nogueira aponta cinco blocos de desafios para melhorar a APS no Brasil. O primeiro diz respeito aos prejuízos sociais e sanitários decorrentes da privatização do sistema que implicam em um financiamento público efetivo para centralizar a APS. Também prevê o fortalecimento desse componente na disputa entre os modelos de saúde e o destaque para a sua característica comunitária.
Em terceiro, Nogueira defende a garantia de condições dignas de trabalho e vínculos empregatícios estáveis para os profissionais da APS, assim como a consolidação a integração entre vigilância sanitária, saúde local e informação em saúde pública.
Por último, a professora se refere ao fortalecimento da participação popular e da mobilização social no planejamento da avaliação e da implantação de ações em saúde comunitária.
Publicado no EPSJV/Fiocruz, em 01/07/2020. Edição: Leandro Melito.