Articulação, estratégia e também uma dose de coragem para enfrentar um cenário de desafios, que se impõe quando se trata de conjugar inovação tecnológica e acesso universalizado ao diagnóstico e tratamento do câncer, tornando essa doença – a segunda que mais mata no mundo – como problema de saúde pública. Essa foi a linha condutora das exposições do webinário Atenção à saúde, inovação tecnológica e câncer: impactos e desafios da era Covid-19, realizado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE-Fiocruz), em 20/08/2021. 

O evento reuniu os palestrantes Luiz Santini, pesquisador do CEE e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer, que apresentou os resultados e as reflexões decorrentes das pesquisas realizadas no Centro sobre o tema, e Nina Melo, da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, que compartilhou em primeira mão dados de pesquisa conduzida pelo Movimento Todos Juntos contra o Câncer, avaliando a doença no cenário da pandemia. Já na mesa de abertura, que contou com a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, o coordenador do CEE, Carlos Gadelha, e o pesquisador do Centro e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, os desafios foram apontados. 

“Estamos aqui pensando o futuro das tecnologias, as novas terapêuticas para atenção ao câncer, mas, sobretudo, a política pública necessária para que essas tecnologias cheguem a população”, destacou Nísia. Entre debatedores convidados, Carlos Gil Ferreira, do Instituto Oncoclínicas, Jorge Alberto Iriart, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, e Martín Bonamino, pesquisador do Inca e da Rede Fio-Câncer da Fiocruz, foram discutidas as perspectivas da medicina de precisão e outras propostas disruptivas e o cuidado para não deixar ninguém para trás. 
O webinário ficou marcado também como o primeiro evento do CEE sob a coordenação de Gadelha e o primeiro realizado com a nova designação do CEE, que agora traz o nome de seu criador, Antonio Ivo de Carvalho.

Leia mais nos links abaixo.

Assista à íntegra do webinário.

 

Na mesa de abertura, o futuro das ciências e o papel da Fiocruz, em dois pilares: desenvolvimento científico e equidade no acesso

Sergio Arouca e Antonio Ivo de Carvalho, na ‘simbologia’ do webinário

As novas tecnologias para diagnóstico e tratamento de câncer e o impacto no sistema de saúde 

Pesquisa mostra que 61% dos pacientes com câncer tiveram seus tratamentos alterados

Investir na medicina de precisão e garantir acesso universalizado: objetivos que podem caminhar juntos

 

Na mesa de abertura, o futuro das ciências e o papel da Fiocruz, em dois pilares: desenvolvimento científico e equidade no acesso

Desenvolvimento científico e equidade no acesso; a defesa de uma visão sistêmica que inter-relacione desenvolvimento, saúde, ciência e democracia; e o acesso à saúde pensado a partir de cinco dimensões – científica, econômica, regulatória, estrutural e cultural deram o tom da mesa de abertura do webinário Atenção à saúde, inovação tecnológica e câncer: impactos e desafios da era Covid-19, que reuniu a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, o coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho, e o pesquisador do CEE e ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Nísia destacou que uma das linhas centrais de sua gestão na Fiocruz tem sido a discussão sobre o futuro das ciências, sustentado nos pilares do desenvolvimento científico, com tecnologias adequadas, e acesso de forma equânime, pautado pelo princípio da equidade em saúde, observando que o CEE-Fiocruz tem papel fundamental nesse caminho. Para Nísia, o webinário convidou a reflexões “em uma perspectiva sócio-histórica”.

Nísia mencionou artigo que produziu com o coordenador do CEE-Fiocruz, Carlos Gadelha, a convite do professor Jeffrey Sachs, da Universidade de Colúmbia, sobre doenças não transmissíveis e desafios para a cooperação global, no cenário da pandemia de Covid-19. “Discutimos a importância de se dar visibilidade ao câncer na sua dimensão de grave problema de saúde pública e apontamos o quanto é falaciosa a separação de doenças de países desenvolvidos e doenças de países pobres”, relatou, acrescentando, ainda, a menção aos “desafios colocados quanto ao fortalecimento do Estado e da sociedade, por um acompanhamento e fortalecimento da gestão participativa no Sistema Único de Saúde, para que o desenvolvimento tecnológico possa de fato chegar a todos”.

Carlos Gadelha apresentou um gráfico na forma de um “diamante”, para explicitar o projeto do Centro de Estudos Estratégicos, que ao mesmo tempo traz “a cara do CEE que caminhou até aqui e a do CEE que vai continuar avançando”, na perspectiva de uma “macrovisão que articula desenvolvimento, saúde ciência e democracia”. Gadelha afirmou as ações do CEE como parte de uma instituição estratégica de Estado, “um think tank de Estado, que está dentro da Fiocruz”.

Em sua exposição, a partir do diamante, Gadelha explicou que a visão integrada abre-se em quatro eixos que se relacionam.  O primeiro eixo aponta para o futuro da saúde e do SUS, do trabalho e do bem estar com sustentabilidade. O segundo eixo aborda a transformação produtiva no que diz à inovação e o Complexo Econômico e Industrial da Saúde (Ceis) 4.0. “A gente assiste a uma verdadeira batalha geopolítica em torno das tecnologias e da inovação, e também dos interesses empresariais. E buscamos ver como fazer articulações virtuosas, sem excluir o país e a população do acesso à saúde”, disse.

O terceiro eixo dialoga com a geopolítica de CT&I em relação às estratégias nacionais, observou. “Hoje, 90% das patentes de saúde estão em dez países. Está ocorrendo uma assimetria no conhecimento, em que alguns países viram fornecedores de dados e outros transformam dados em informação, conhecimento e riqueza”, alertou. “Não podemos aceitar essa nova divisão internacional do trabalho. E esse terceiro eixo emerge com muita força”.

Quanto ao quarto eixo, refere-se ao futuro da ciência e das novas formas de geração de conhecimento. “Temos que problematizar a ciência para que cumpra seu papel social”, conclamou, observando que essa macrovisão aberta em quatro eixos aponta para desafios nacionais e desafios para a Fiocruz do futuro. 

Nesse sentido, o coordenador do CEE convidou os participantes a prestarem atenção ao título do webinário, que, conforme observou, a um só tempo dialoga com os quatro eixos por ele mencionados: com o futuro da saúde, com a transformação produtiva, pela inovação, com a geopolítica da CT&I, no que diz respeito às assimetrias no conhecimento e na inovação e ao entendimento do câncer como “área líder em termos de novas formas de geração de conhecimento”. 

Gadelha também mencionou o artigo produzido com a presidente da Fiocruz, destacando que, hoje, uma discussão sobre o câncer no contexto da Covid mostra “o quanto estamos sempre contra as tendências, mantendo nossa visão sistêmica, tratando a saúde a partir de um olhar que tem que ser integrado”. Nesse sentido, Gadelha observou: “Ao olhar para a Covid, temos que olhar, ao mesmo tempo, para as doenças cardíacas, o câncer, o diabetes. Se temos uma sindemia, temos também um foco na dimensão sistêmica. É provocador e, ao mesmo tempo, estimulante fazer essa discussão”.

O ex-ministro e pesquisador do CEE, José Temporão lembrou que ao ser convidado pelo ex-diretor do CEE, Antonio Ivo, que morreu em junho de 2021, para com Santini se incorporarem a  uma linha de pesquisa dedicada a pensar o futuro da saúde brasileira,  ambos apresentaram como objeto de análise o câncer, por sua importância epidemiológica, política, médica e sanitária e científica. “ A partir daí, colocamos a questão do acesso como uma das categorias ou a categoria central para o início dos nossos trabalhos”, explicou. 

A pesquisa Futuro das Tecnologias de Diagnóstico e Tratamento do Câncer (2019 – 2019), coordenada por ele e Santini, partiu de uma outra que o CEE já havia desenvolvido em relação ao futuro das tecnologias para diagnóstico e tratamento do câncer, voltada a pesquisadores internacionais. A partir dessa, Temporão e Santini direcionaram uma outra pesquisa destinada a saber a percepção dos médicos brasileiros, vinculados a dez sociedades oncológicas, sobre as possibilidades de incorporação de tecnologias de diagnóstico e tratamento de câncer, em um período de trinta anos, no Brasil.  Depois dela, em parceria com o movimento Todos Juntos pelo Câncer e o Observatório do Câncer, expandiram o universo pesquisado, ouvindo dessa vez não apenas profissionais médicos da área, mas, também, gestores, organizações que representam os interesses dos pacientes, profissionais e técnicos da área privada e pública. “Isso nos abriu um imenso cenário, rico de informações, perspectivas e possibilidades para explorar e avançar no tema”.

Em sua fala na mesa de abertura do webnário , ele destacou cinco dimensões importantes do acesso às novas tecnologias de diagnóstico e tratamento do câncer . A primeira delas é a científica e ocupa, em sua avaliação, um lugar central no atual debate sobre o câncer.  Em relação a ela, destacou a grande dependência brasileira por tecnologias, não apenas na área do câncer, como a evidenciada na atual pandemia, e o importante avanço, realizado pelo Instituto Butantã e pela Fiocruz no desenvolvimento e produção e novas vacinas.

A segunda dimensão é econômica e se refere ao impacto da incorporação tecnológica, os custos para o orçamento público e tudo que envolve a dimensão dos recursos financeiros disponíveis e necessários. 

Outra dimensão, em sua opinião, fundamental, é a regulatória, relacionada às patentes. Ela trata de como se dá o processo de incorporação de novas tecnologias colocadas no mercado. “ O Congresso Nacional acaba de aprovar uma nova lei que flexibiliza a questão das patentes no Brasil em situações de crise sanitária e de alto interesse nacional. Essa lei tem tudo a ver com o que vamos hoje discutir aqui”, explicou Temporão. 

Há também uma dimensão que é estrutural do sistema de saúde. De acordo com o ex-ministro, essa dimensão se refere à “como o sistema de saúde se organiza, como é que a rede se estrutura, como é que se dá a oferta de serviços diagnósticos e terapêuticos, como é que estão as diferenças entre regiões e classes sociais, como é que está a formação de pessoal especializado, tanto a formação, como a educação permanente e o acesso à informação”.

 A última dimensão, ele denominou de cultural. “Ela envolve todo o processo de educação e de informação da população sobre a questão do câncer para os pacientes, e, também, a influência da indústria sobre os profissionais médicos e outros profissionais”. Para Temporão, as pesquisas do CEE relacionam-se a algumas dessas dimensões, e a expectativa é que, a partir dos debates realizados no webinário, novos desdobramentos se configurem e novos estudos sejam empreendidos. 

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Sergio Arouca e Antonio Ivo de Carvalho, na ‘simbologia’ do webinário

A realização do webinário Atenção à Saúde, Inovação Tecnológica e Câncer: impactos e desafios da era Covid-19 foi também “de grande simbologia”, como expressaram a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, e o coordenador do CEE-Fiocruz, Carlos Gadelha, na mesa de abertura. Foi o primeiro evento do CEE-Fiocruz sob a coordenação de Gadelha e o primeiro realizado com a nova designação do Centro, que agora traz o nome de seu criador, Antonio Ivo de Carvalho, conforme definido pelo Conselho Deliberativo da Fiocruz, em 22/07/2021. Além disso, o evento realizou-se no dia de aniversário do sanitarista Sergio Arouca (1941-2003), que completaria 80 anos.

“Em nome dessas grandes figuras, Antonio Ivo e Sergio Arouca, quero saudar o compromisso histórico com o SUS que minha geração abraçou, e que esperamos que as novas gerações abracem”, disse Nísia. 

Em referência à data de aniversário de Arouca, Nísia lembrou, a partir de reportagem publicada na revista Radis, da Ensp/Fiocruz, em 2012, a importância que ele conferia à inovação em saúde. “Hoje somos um dos maiores compradores de medicamentos do mundo. O estado pode utilizar o poder de compra para fazer transferência de tecnologia como fizemos com a vacina sabin na fiocruz”, citou Nisia, lembrando que as intervenções do sanitarista são hoje atualizadas “em nossa agenda política, como uma política de inovação de base inteiramente nacional”.

Gadelha destacou que a nova designação do CEE aponta também para um novo futuro para o Centro. Sobre Arouca, ele lembrou que, em 1986, ano de realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde e da conformação do SUS, o sanitarista criou na Fiocruz uma área de ciência, tecnologia e inovação. “Numa percepção de que não podíamos segmentar e fragmentar a saúde coletiva, o pensamento em saúde pública, do pensamento biomédico e da tecnologia. Na verdade, o Arouca estava propondo uma superação dialética, em que essas campos interagem”, considerou.

Gadelha lembrou que, na mesma linha, Antonio Ivo, uma semana antes de sua morte, havia chegado a se manifestar com empolgação quanto a um evento sobre a revolução 4.0. “REu achava que saúde coletiva não iria dar tanto peso àquele evento. Mas a primeira pessoa que me ligou foi o Antonio Ivo, defendendo que tínhamos que fazer essa agenda, repensar a saúde coletiva”, relatou, observando que os nomes de Arouca e Antonio Ivo simbolizam como esses mundos tem que ser pensados de modo integrado para atender as demandas da sociedade. “E a pandemia de Covid mostra como isso é importante”.

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As novas tecnologias para diagnóstico e tratamento de câncer e o impacto no sistema de saúde 

“A questão central para o controle do câncer é o acesso não somente às inovações tecnológicas, mas à informação de qualidade, à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento oportuno, ao cuidado adequado e ao conhecimento científico atualizado”, afirmou o pesquisador do CEE-Fiocruz Luiz Santini, ex-diretor do Inca, logo na abertura de sua apresentação no webinário, citando o cientista Harold Varmus, prêmio Nobel de Medicina de 1989 e ex-diretor do Instituto nacional do Câncer dos EUA (1993-1999). 

Santini lembrou que, quando esteve à frente do Inca, essa preocupação com o acesso pautou suas ações, assim como a interação da instituição com os demais agentes de controle do câncer no país. Essa abordagem foi trazida para o estudo, que ele coordenou com o ex-ministro e pesquisador do CEE, José Gomes Temporão, dentro da linha de pesquisa do Centro aberta pelo seu ex-coordenador e criador, Antonio Ivo de Carvalho, cujo objetivo é discutir os desafios da inovação na saúde, garantindo a equidade dentro do SUS.  

“É uma pesquisa inicial, na verdade quase um levantamento de opiniões, que busca saber como os profissionais de saúde no Brasil, sobretudo os médicos vinculados às organizações de saúde, estão vendo o desafio que é a inovação no controle do câncer no país”, explicou. Ao apresentar os principais resultados, Santini disse que espera a partir da contribuição trazida pelos debatedores convidados, os pesquisadores Carlos Gil, Jorge Iriart e Martín Bonamimo, ampliar as discussões sobre o tema.   

 “O câncer é hoje uma doença importantíssima, segunda causa de morte no mundo. No Brasil, já é a primeira causa de mortes em mais de 600 municípios, com 625 mil casos por ano e mais de 200 mil mortes, segundo o Instituto Nacional de Câncer”, explicou. A previsão, continuou, é que nos próximos vinte anos, esses números se multipliquem, com “um aumento estimado de 81% de novos casos”. 

Diante desse quadro, o pesquisador ressaltou que “a expansão do conhecimento científico e de novas tecnologias gera uma expectativa de transformação no panorama da atenção oncológica com um impacto enorme do ponto de vista social, econômico e financeiro”.

O câncer é, hoje, uma doença importantíssima, segunda causa de morte no mundo. No Brasil, já é a primeira causa de mortes em mais de 600 municípios, com 625 mil casos por ano e mais de 200 mil mortes 

A pesquisa O futuro das tecnologias de diagnóstico e tratamento de câncer, no período 2019-2049, coordenada por Santini e por Temporão, se insere em um conjunto de quatro pesquisas desenvolvidas no CEE a partir de outubro de 2017. 

A primeira delas, coordenada pelo economista Bernardo Cabral, foi um websurvey realizada com 81.000 pesquisadores, autores de artigos em revistas internacionais, e serviu de inspiração para as demais. O estudo buscou identificar as nove tecnologias emergentes que teriam impacto no futuro da atenção ao câncer no mundo, tendo como referência o período de 2017 a 2047. 

As tecnologias identificadas foram a edição genômica, a terapia celular, as vacinas terapêuticas, a utilização dos vírus oncolíticos, as terapias com anticorpos, as terapias de RNA e o tumor delivery, que são as terapias com nanotecnologias que podem levar o tratamento diretamente às células afetadas. Como tecnologias promissoras para diagnósticos foram apontadas a biópsia líquida e a imagem molecular. 

A partir desses resultados, “nos reunimos com as sociedades científicas brasileira envolvidas no tratamento, no controle e pesquisa de câncer no país e propusemos uma nova pesquisa de abrangência nacional com os profissionais da área oncológica, tanto do sistema único de saúde, quanto da saúde suplementar”, explicou Santini. O objetivo desse levantamento, era saber a visão desses profissionais a respeito da incorporação dessas tecnologias diagnósticas e para tratamento de câncer para os próximos 30 anos.

 A chegada da Covid, em março de 2020, segundo o pesquisador, desarticulou as expectativas em relação ao desenvolvimento de estudos, pesquisas e de inovações. “Com ela surgiu a necessidade de identificar o impacto desse componente de desorganização dentro do sistema de saúde, e os desafios do ponto de vista técnico e científico que a pandemia trazia para o sistema de saúde de uma maneira em geral”.

A metodologia utilizada para essa segunda pesquisa, também baseada em um estudo de futuro, o estudo forsight, envolveu o desenvolvimento de  um instrumento de pesquisam e a aplicação via websurvey. Em seguida, esse instrumento de pesquisa, constituído por um questionário, foi validado por meio de um pré-teste e fortalecido com referências da literatura científica. 

Apenas 40% dos profissionais consideram que a situação do acesso é boa, no setor privado inclusive, e somente 5% consideram que é boa no SUS

O questionário compreendia três blocos de perguntas, explicou Santini. O primeiro serviu para a a identificação do perfil dos respondentes, identificando o grau de conhecimento deles sobre os tratamentos contra o câncer. O segundo bloco tinha como objetivo verificar a percepção dos respondentes sobre a atual situação do acesso para diagnóstico e tratamento de câncer tanto no sistema único de saúde, quanto na saúde suplementar. E o terceiro, a percepção sobre o futuro dessas tecnologias apresentadas para diagnóstico e tratamento de câncer e seu impacto no sistema único de saúde e na saúde suplementar.

Em sua apresentação, Santini destacou alguns resultados da pesquisa. Em relação ao perfil dos médicos, por exemplo, foi constatado que 51% tinham mais de 15 anos de prática na área oncológica, “portanto eram pessoas que tinham bastante integração, vivência com a área de Oncologia e controle de câncer no país, mas sobretudo pessoas que estavam vivendo um momento de grande evolução, de grande transformação na área de câncer”, avaliou. 

De acordo com o pesquisador, esse perfil tem grande importância na avaliação dos resultados encontrados e na avaliação dos profissionais (32% dos médicos têm algum grau de envolvimento com pesquisa em oncologia e 44% com ensino). “Esse é um dado muito favorável para a nossa discussão. Nos mostra uma população muito diferenciada em relação aos profissionais médicos envolvidos em outras áreas de conhecimento. Acredito que, nas diferentes áreas, nem tantas pessoas estão tão fortemente envolvidas com as questões da pesquisa e do ensino”, disse Santini. Ainda em relação ao perfil dos respondentes, a pesquisa mostrou que 58% das pessoas entrevistadas têm um alto nível de acompanhamento sobre as inovações tecnológicas e 41% trabalham tanto no SUS como no setor privado. 

Quanto à atual situação de acesso ao diagnóstico e tratamento de câncer no SUS e na saúde suplementar, o pesquisador afirmou que os resultados são preocupantes, mas não surpreenderam. “Apenas 40% desses profissionais consideram que a situação do acesso é boa, no setor privado inclusive, e somente 5% consideram que a situação do acesso é boa hoje no SUS”. Uma parcela um pouco maior, equivalente a “8,5% dos médicos que trabalham exclusivamente no SUS, classificou esse acesso no SUS como bom”. De um modo geral, ele ressaltou ser preocupante o fato de um grande percentual desses profissionais considerar o acesso no SUS ruim e, mesmo na saúde suplementar, ruim ou inadequado. 

Hoje, 60% dos pacientes têm acesso tardio ao tratamento mais comum, mais frequente, mais necessário que é o acesso à cirurgia, à rádio e à quimioterapia no país

“É um dado muito importante para pensarmos o futuro e o significado inclusive do que ele representa efetivamente para a implementação de melhorias, mudanças no próprio sistema de organização e gestão, na navegabilidade dos pacientes, enfim no acesso qualificado”, avaliou Santini. Segundo o médico, hoje 60% dos pacientes têm acesso tardio ao tratamento mais comum, mais frequente, mais necessário que é o acesso à cirurgia, à rádio e à quimioterapia no país.

Em relação às principais dificuldades de acesso no SUS, o estudo revela para baixa capacidade de detecção precoce e suspeição diagnóstica na atenção básica; a oferta insuficiente de serviços de diagnóstico e a escassez de recursos. Os dados indicam, segundo Santini, “a necessidade de uma mudança profunda na formação e na capacitação dos recursos humanos, não somente na organização”. No ponto de vista do setor privado as principais dificuldades apontadas pelos médicos foram a baixa cobertura dos planos de saúde; a baixa capacidade de detecção precoce e a inadequação de fluxo e referências para o atendimento. Em relação a esses resultados, o pesquisador explicou que “a segmentação com que são ofertados os serviços, através dos planos de saúde, dificulta o acesso dos pacientes”.  

Santini disse, ainda, que quando questionados sobre a expectativa em relação à evolução do acesso nos próximos anos, os profissionais demonstraram mais otimismo em relação ao setor de saúde suplementar do que com relação ao SUS, e um pessimismo muito maior em relação ao atendimento no SUS do que na saúde suplementar. “Esse dado é importante para que se reconheça a realidade do câncer no país e onde temos que atuar para modificá-la, assim como a necessidade de se aprofundar esse conhecimento para identificar exatamente onde estão os gargalos que estão impedindo o acesso ou que fazem com que as pessoas tenham essa expectativa se não totalmente negativa, uma baixa expectativa em relação ao futuro”, explicou o pesquisador. 

Com relação à expectativa dos médicos de haver, no período analisado, uma grande revolução do diagnóstico e tratamento a partir da utilização das novas ferramentas biotecnológicas e imunotecnológicas  trazidas pelas novas tecnologias, o estudo mostra que para 2/3 dos médicos isso ocorrerá antes de 2.049.  

É importante analisar essa expectativa de uma bala mágica que venha de fato a resolver o problema do tratamento de câncer, que é uma expectativa que a sociedade de maneira em geral apresenta e precisa ser muito relativizada

Santini chamou a atenção para o fato de apenas 39% dos médicos brasileiros considerarem improvável que exista tratamento monoterapêutico no horizonte temporal até 2019, enquanto, na pesquisa realizada com os pesquisadores internacionais, a maioria considerar muito improvável que isso aconteça. “É importante analisar essa expectativa de uma bala mágica que venha de fato a resolver o problema do tratamento de câncer, que é uma expectativa que a sociedade de uma maneira em geral apresenta e precisa ser muito relativizada”, avaliou.  

Com relação à avaliação dos médicos brasileiros sobre os impactos positivos das tecnologias para os próximos anos, Santini disse que a terapia com anticorpos, a terapia celular e a edição genômica foram aquelas consideradas de maior impacto possível. “Enquanto a biópsia líquida e a imagem molecular são as tecnologias que a maioria considera poder ter um impacto positivo no diagnóstico do câncer”, explica.

Ao falar sobre a expectativa dos médicos brasileiros sobre as novas tecnologias para tratamento, explicou que “a tecnologia com anticorpos foi considera a mais promissora por assegurar melhor prognóstico, melhor qualidade de vida e menos efeitos colaterais”, enquanto a imagem molecular e a biópsia líquida são consideradas as tecnologias de diagnóstico mais confiáveis, “sendo que a biópsia líquida é considerada a provavelmente de melhor relação custo-benefício.

Quanto ao provável insucesso das tecnologias, o pesquisador destacou que as vacinas terapêuticas e o vírus oncológico foram consideradas sujeitas a barreiras científicas ou de conhecimento; a de edição genômica como inviável tecnologicamente dentro do período estudado; a terapia celular a de pior custo-benefício; as terapias com anticorpos com inviabilidade de produção industrial; enquanto as tecnologias de edição genômica sujeitas a questões éticas.

Segundo Santini, a pesquisa mostrou, ainda, a importância dada pelos médicos brasileiros às tecnologias de informação e comunicação em relação ao futuro, tanto para a saúde suplementar quanto para o SUS. “Essa é uma questão extremamente importante que não foi levantada na pesquisa com os pesquisadores internacionais, mas nós introduzimos na pesquisa com os médicos brasileiros”, 

A partir da análise dos resultados, o pesquisador avaliou, também, que “os tratamentos personalizados com nível de eficácia elevado certamente poderão acontecer, mas é importante a geração de subsídios para tomada de decisão por parte dos gestores e mais subsídios para o planejamento das ações”.  Em seguida, ele destacou algumas questões que emergiram desses estudos sobre as novas tecnologias com potencial promissor nos próximos 30 anos: “É possível as tecnologias alcançarem benefícios para todos? Ou nós teremos privilégios para poucos? Serão mantidas discrepâncias em termos de privilégios e recursos como as atuais ou poderá haver alguma melhoria nesse aspecto?”. 

Santini, ressaltou, ainda, a “importância da participação e influência da sociedade nesse processo de discussão, com conhecimento, informação científica adequada para não ficar sujeito à manipulação de interesses, ou à distorção com relação ao próprio conhecimento.”

 

Desafios para o futuro da atenção ao câncer 

Santini citou alguns desafios evidenciados a partir dos resultados dos quatro estudos FTDTC, como:  fortalecer o marco regulatório que integre pesquisa, desenvolvimento e financiamento, “dentro do que, o diretor do CEE, Carlos Gadelha, chamou como um novo marco para pesquisa e desenvolvimento na área de tecnologia da saúde” e fortalecer as áreas de pesquisa orientada para novas tecnologias, “abrindo a possibilidade de melhorar os cuidados e, eventualmente até mesmo, reduzir custos”. 

Santini mencionou, ainda, o desafio da barreira do conhecimento para o desenvolvimento de tecnologias que podem oferecer soluções inovadoras e disruptivas. “ Esse é um grande desafio que está sendo colocado seguramente para o futuro da interação das áreas de conhecimento dentro da própria Fiocruz e nas redes de cooperação que a instituição mantém com outras entidades de pesquisa no país”. Em relação aos desafios sociais e econômicos, o pesquisador ressaltou que a avaliação para incorporação de novas tecnologias e conhecimentos demanda a interação de especialistas em ATS, tomada de decisão, avaliação econômica, pesquisa social e antropológica, pesquisa básica e aplicada em saúde. 

Ao incluir a covid-19 como outro grande desafio, que apareceu ao longo da  pesquisa, o pesquisador afirmou que “ o advento das novas tecnologias e suas consequências, o impacto que elas tem no acesso, objeto de toda essa nossa discussão,  vêm sendo fortemente afetado pela pandemia que nos impõe certamente novas maneiras e novas abordagens para pensar.  Só mesmo uma organização como a Fiocruz com a sua capacidade de construção de redes cooperativas é capaz de estimular o enfrentamento desses desafios futuros”.   

Acesse aqui a apresentação de  Luiz Santini

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Pesquisa mostra que 61% dos pacientes com câncer tiveram seus tratamentos alterados

O sistema de saúde que atende pessoas com Covid-19 é o mesmo que atende todos os demais usuários, seja na prevenção, seja no diagnóstico e tratamento de diversas outras doenças transmissíveis ou crônicas, o câncer entre elas. Fazer essa observação ajuda a compreender o impacto que a pandemia provocada pelo coronavírus causou sobre o cenário da Oncologia no país, como destaca a pesquisadora Nina Melo, coordenadora de Pesquisa da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) e do Observatório de Oncologia (que reúne diversas entidades da área), em sua palestra no webinário Atenção à Saúde, Inovação Tecnológica e Câncer: impactos e desafios da era Covid-19, realizado pelo CEE-Fiocruz, em 20/08/2021. 

“No início da pandemia, já havia o primeiro alerta, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica e de Patologia:  em três meses, houve redução de 70% em cirurgias, e 50 mil brasileiros deixaram de receber o diagnóstico de câncer”, observa Nina, que apresentou em primeira mão os resultados de pesquisa realizada pelo movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC) – fundado pela Abrale, em 2014, reunindo sociedade civll, sociedades médicas, governo, profissionais de saúde e mídia. A pesquisa buscou avaliar  o panorama atual do diagnóstico e tratamento do câncer sob a pandemia de Covid-19. 

“Em março de 2021, quase um ano depois, isso continua acontecendo. Os diagnósticos de câncer despencaram no Brasil”.  Conforme apontou a pesquisadora, a pandemia sobrecarregou tanto o SUS, quanto a saúde suplementar, ao mesmo tempo em que as doenças crônicas sobrecarregaram o sistema.  

A pesquisa foi realizada por meio de inquérito voltado a pacientes com câncer de todo o país, entre abril e outubro de 2020. Entre os resultados, observou-se que 61% dos pacientes tiveram o tratamento alterado. No âmbito do SUS, 71% tiveram dificuldade de fazer exames de acompanhamento ou para diagnóstico; 66% tiveram dificuldade para realização de consultas; 15%, para realização de quimioterapia, e 12%, de radioterapia, de acordo com Nina. 

“Dentro desse contexto, percebeu-se que os paciente com câncer apresentaram os piores resultado de evolução clínica para a Covid-19 e, por conta disso, foram tomadas medidas, como mudança de terapias intravenosas para orais, aplicação de quimioterapia domiciliar e consultas de acompanhamento por meio de telemedicina ou teleconsulta”, observou Nina, lembrando que as sociedades oncológicas enfatizaram a necessidade de criação de vias livres de Covid-19, para assistência a patologias não relacionadas à pandemia.

A pesquisa abrangeu, ainda, uma etapa qualitativa com oncologistas da linha de frente do cuidado ao câncer, que foram reunidos em grupos focais, de modo a se identificarem suas percepções das dificuldades apresentadas no cenário da pandemia, diferenças entre a primeira e a segunda onda, condutas de gestão e questões voltadas à saúde mental dos profissionais. 

De acordo com os médicos, os atendimentos oncológicos foram retomados em parte e as maiores dificuldades localizaram-se na realização de exames e encaminhamento a outras especialidades médicas, seja por falta de tempo, seja por falta de profissionais para atendimento. Como mostraram os depoimentos colhidos pelos pesquisadores, os médicos relataram estar vendo muito mais doenças agravadas do que viam antes da pandemia e recebendo mais pacientes com diagnóstico avançado.

Ainda de acordo com o relato dos médicos, as unidades básicas de saúde, porta de entrada para atendimento, foram paralisadas. “Na primeira onda, todo o direcionamento de recursos foi para a pandemia, os pacientes de câncer foram negligenciados, com falta de compra de medicamentos básicos”, indicou um dos depoimentos trazidos por Nina. “Na segunda onda a Oncologia foi mais respeitada, mas foram criados protocolos que dificultam o acesso ao tratamento”, apontou outro.

A telemedicina, de acordo com Nina, mostrou-se e vem se mostrando grande aliada da atenção ao câncer durante a pandemia. “Foi uma saída que os médicos encontraram para continuar mantendo os pacientes em atendimento”. De acordo com um dos relatos, de 70% a 80% dos pacientes estavam em atendimento dessa forma, e somente pacientes graves atendidos pessoalmente, embora limites relacionados ao acesso à internet também tenham sido mencionados. “Nem sempre é fácil porque as condições dos pacientes do SUS às vezes não permitem que eles tenham acesso à uma internet de qualidade”. 

Os médicos também relataram falta de medicação básica para os pacientes oncológicas, falta de leitos de UTI, interrupção ou piora na qualidade do atendimento e demora para marcação e realização de cirurgias eletivas, o que leva à progressão da doença, conforme destacou Nina. “Tudo piorou com o impacto da pandemia, foi devastador”, apontou mais um relato. 

Os médicos entrevistados relataram, ainda, alto nível de estresse, provocado pela pressão da demanda, do aumento do número de atendimentos resultante do represamento de consultas no início da pandemia, entre outros problemas capazes de afetar a saúde mental dos profissionais.

Quanto a caminhos para uma melhora do cenário da atenção ao câncer, os profissionais sugeriram a realização de movimentos voltados a defender o respeito ao tratamento oncológico e o diálogo com a sociedade para a importância da realização dos exames em dia. Eles apontaram também o agravamento da situação provocado pelo fato de “o Ministério da Saúde não ter sido conduzido por um especialista, em uma pandemia mortal”.

Acesse a apresentação de Nina Melo no webinário 

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Investir na medicina de precisão e garantir acesso universalizado: objetivos que podem caminhar juntos

Articular os recursos de que o país já dispõe, como instituições fortes e pesquisadores de ponta, com diferentes atores do setor público e privado e uma dose de determinação e “coragem” pode levar o país a superar os gaps de desenvolvimento e de acesso, no que diz respeito às tecnologias de diagnóstico e tratamento do câncer. Esse caminho foi discutido pelos debatedores das exposições realizadas no webinário Atenção à Saúde, Inovação Tecnológica e Câncer: Impactos e Desafios da Era Covid-19, os pesquisadores Carlos Gil Ferreira, presidente do Instituto Oncoclínicas; Jorge Alberto Iriart, professor associado do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Martín Bonamino, do Instituto Nacional do Câncer e coordenador da Rede Fio-Câncer da Fiocruz.

“Hoje somos capazes de controlar e até curar doenças consideradas incuráveis, mas isso gerou um fantástico gap de acesso, seja a um novo fármaco ou a um teste diagnóstico, e também um gap de tecnologia e de desenvolvimento, difícil de ser superado para algumas tecnologias”, observou Carlos Gil Ferreira. “Temos que ser muito estratégicos nesse sentido”, avaliou Carlos Gil, que trabalha com pesquisa translacional – voltada a buscar caminhos que reduzam a distância entre o conhecimento produzido nos laboratórios e sua aplicação na atenção à saúde de toda a população – e Oncologia. 

Conforme destacou o pesquisador, vários estudos já foram realizados no âmbito da Rede Nacional de Pesquisa Clínica em Câncer e da Rede de Desenvolvimento de Fármacos Anticâncer, com vistas a reduzir o gap de acesso no país a testes moleculares (utilizados para, entre outras aplicações, mapear e diagnosticar doenças de natureza genética, como o câncer, de forma individualizada), que levou os pesquisadores a receberem prêmio da sociedade de Oncologia da American Society of Clinic Oncologic (Asco), pelo impacto positivo nos setores público e privado. 

No entanto, “há ainda muito a fazer”, como considerou, lembrando que o Brasil tem pesquisadores de ponta em câncer, instituições fortes, já tendo sido possível contar com financiamento público disponível para a área. “Mas não conseguimos articular isso de maneira produtiva, de forma a levar os achados até o desenvolvimento tecnológico e à produção em si”, avaliou.

Não desenvolvemos um DNA da pesquisa no Brasil (Carlos Gil Ferreira)

Para Carlos Gil, grande parte das iniciativas nesse sentido não surtiu efeito, atribuindo esse resultado a aspectos de articulação, ainda desafiadores, e regulatórios, de certa forma, já superados. “Não desenvolvemos um DNA da pesquisa no Brasil. Esse DNA tem a ver com nos capacitarmos para prover acesso”, observou, discordando dos que afirmam que a inovação pode diminuir acesso. “Inovação pode favorecer acesso”, contestou. 

No instituto que preside, Carlos Gil informou estarem trabalhando com o desenvolvimento de um modelo de medicina de precisão, Precision Access Model, voltado a selecionar pacientes “de forma correta” para, a partir daí, prover acesso com estratégias de aquisição das tecnologias necessárias em grande escala, no Sistema Único de Saúde. 

Ele defendeu a articulação entre os âmbitos público e privado, com vistas ao desenvolvimento de pesquisas. “Além de instituições públicas fortes em tratamento de câncer, há players privados que querem investir em assistência, inovação, pesquisa e educação”. Ele deu como exemplo um projeto do Instituto Oncoclínicas, para formar profissionais em Bioinformática, área em que identificaram uma deficiência na formação. “Investimos em uma start up americana e temos treinamento de informatas brasileiros, com transferência de conhecimento. Tem sido fantástico. É um modelo vencedor”, considerou, conclamando a se “sair um pouco da caixa para pensar em alternativas de articulações público-privadas, em modelos, mesmo, de translação”. Para Carlos Gil, “é de articulação que a gente precisa”. 

Quanto ao aspecto regulatório, o pesquisador considerou que há muito a fazer ainda, mas que os gaps que havia estão superados. Ele relatou ter participado de comissão cientifica da Anvisa, na gestão do ministro da Saúde Alexandre Padilha, que conseguiu ressaltar a necessidade de acelerar registros de alguns medicamentos no país, baseados tanto em grandes estudos de fase 3, quanto em estudos menores, em nome de uma mudança no cenário da Oncologia de precisão. “Houve um momento em que, de fato, tivemos problemas regulatórios, que dificultavam o desenvolvimento de estudos mais inovadores. Mas a questão regulatória não é mais desculpa para que a gente não possa desenvolver estudos inovadores no Brasil”, considerou.

É preciso compreender a Ciência e a Medicina como prática social, no contexto histórico, político e sociocultural; pensar que a incorporação das novas tecnologias não se dá somente por utilidade clínica (Jorge Alberto Iriart)

Jorge Alberto Iriart trouxe o olhar das Ciências Sociais para o debate e destacou a importância do estudo sobre o futuro e a incorporação de novas tecnologias ao sistema de saúde, mas ressaltou preocupação em relação ao acesso. “Preocupo-me, sobretudo, com as questões éticas; se os benefícios dessas novas tecnologias da medicina de precisão serão acessíveis à maior parte da população, sob a pressão dos altos custos ao sistema de saúde, e com a necessidade de construção de um marco regulatório”, pontuou. 

O pesquisador alertou para a importância de não se olhar para as tecnologias de forma abstrata, mas a partir dos contextos social, cultural e histórico em que estão inseridas. 

“É preciso compreender a Ciência e a Medicina como prática social, no contexto histórico, político e sociocultural; pensar que a incorporação das novas tecnologias não se dá somente por utilidade clínica, mas influenciada por uma série de fatores”, afirmou.

Para Iriart, é preciso pensar sobre qual deve ser a agenda prioritária de pesquisa no Brasil. “Observamos, hoje, um investimento enorme por parte dos países europeus, destaque para o Reino Unido, Estados Unidos e China, em que todos têm projetos de medicina de precisão. As biotecnologias são a nova fronteira do capitalismo”, considerou, conclamando o Brasil a participar desse debate, “sob uma perspectiva crítica, para não ficarmos simplesmente recebendo tecnologia de fora”.

As tecnologias, pontuou, são ao mesmo tempo “produzidas por meio da cultura e produtoras de cultura, e transformam subjetividades”. 

O pesquisador apresentou dados de uma pesquisa por ele coordenada, Genômica e medicina personalizada: análise crítica sobre incorporação do saber e tecnologia genômica da biomedicina no Brasil, na qual foram entrevistados oncologistas e pacientes oncológicos nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, em instituições públicas e privadas, e que trazem semelhanças com a pesquisa sobre o futuro da atenção ao câncer. 

De acordo com a pesquisa, conforme destacou, há dificuldade dos oncologistas em se manterem atualizados frente a um fluxo enorme de conhecimento, e uma das formas de lidar com esse volume de conhecimento tem sido a subespecialização. “Hoje, temos oncologistas restringindo seu trabalho a poucas especialidades – só mama ou só gastrintestinal, por exemplo”. 

Para o pesquisador, isso traz à tona uma discussão sobre desigualdades. “Nas capitais, nos grandes centros oncológicos privados, essa segmentação já existe, há especialistas em poucos temas, enquanto no sistema público, o oncologista tem que lidar de A a Z”, observou. “Seria interessante ver como se dá o acompanhamento de tecnologias entre os oncologistas que trabalham apenas no setor público”, sugeriu, explicando que “como muitas dessas novas tecnologias não estão disponíveis no SUS, oncologistas que atuam apenas no sistema público têm conhecimento teórico, mas não necessariamente prático”. 

Os dados produzidos no estudo, de acordo com Iriart, levam a crer que a forma como as novas tecnologias estão se inserindo no sistema de saúde aumentam as desigualdades. “As tecnologias estarão disponíveis para todos que poderão se beneficiar?”, indagou. 

As desigualdades se dão não só entre o sistema público e o setor privado, como no interior do sistema também, destacou, citando artigo do médico Rafael Kaliks, intitulado Meu SUS não é igual ao seu SUS. “O artigo mostra essa variação no tratamento oncológico, em relação aos quatro principais tipos de câncer. Há diferença entre regiões, e os estados mais ricos conseguem incorporar medicamentos que não estão disponíveis em outros estados”, destacou Iriart, acrescentando que, “no Brasil, para garantir acesso, dado o volume enorme de pacientes, é fundamental que se tenha estratégia para negociar com a indústria farmacêutica os preços de medicamentos que são extremamente abusivos”. 

Na opinião do pesquisador, a relação custo-benefício é outro ponto importante. “Uma das promessas da medicina de precisão era justamente diminuir custos para o sistema de saúde. Mas, o que estamos vendo é um aumento dos custos, e aí se faz importante a agenda de pesquisa, porque a indústria farmacêutica não tem interesse em realizar pesquisas que podem diminuir os custos da atenção, alertou, reafirmando sua crítica à medicina de precisão. 

“Tenho muitas dúvidas quanto à medicina de precisão ter um impacto sobre a saúde das populações, em termos de saúde pública. Temos os problemas de base – promoção, prevenção da saúde, diagnóstico precoce e inicio rápido de tratamento. Se nós não resolvermos esses problemas não vai ser a medicina de precisão que resolverá”. 

Temos um cenário desafiador, mas para quem gosta de olhar para o futuro, e se entrarmos firmes, temos boas possibilidades. Temos que respirar fundo e entrar (Martín Bonamino)

O coordenador da Rede Fio-Câncer Martín Bonamino apresentou em seus comentários uma provocação: “Queremos ser consumidores ou geradores de tecnologias?”. Em sua exposição, ele observou que algumas das tecnologias dirsruptivas que se anunciam vêm acompanhadas de certas restrições, penalizando as instituições públicas, “como se vê com os fármacos, aprovados, mas sem acesso pelo sistema de saúde”. 

Bonamino deu como exemplo os produtos de células Car T (que modificam as células T do organismo, para que estas possam detectar células cancerígenas e destruí-las), desenvolvidos pela indústria farmacêutica, que serão aplicados apenas em centros de tratamento acreditados, dos quais não faz parte a maioria dos centros públicos. “Temos motores que podem estreitar esse abismo, como é o caso da Fiocruz, que está promovendo este webinário e que tem potencial, por sua capilaridade e por abarcar todas as etapas, da geração de conhecimento, da geração de produtos, insumos, de modo a contribuir para esse tipo de solução”, observou o pesquisador, lembrando a série de desafios que há pela frente, no que diz respeito não só a acesso, mas ao modelo de precificação, ao modelo de reembolso. “A Fiocruz tem uma capacidade de articulação muito grande no desdobramento de execução de ações”, destacou. “E este é um grande tanque para pensarmos como trabalhar, dentro e fora do SUS.”.

O pesquisador reforçou a oportunidade que há pela frente “se não nos acovardarmos para enfrentar esse debate de pensar soluções novas”. 

Dizendo-se “esperançoso de que as coisas podem mudar rápido”, Bonamino observou que, diferentemente do que indicaram os médicos respondentes da pesquisa FTDTC, apresentada por Luiz Santini, considera promissora a perspectiva de aplicação das tecnologias do futuro voltadas ao câncer, em especial a edição genômica, nos próximos trinta anos. “Para quem está acompanhando de perto a área, estamos em uma velocidade absolutamente supersônica”, avaliou, observando que, há poucas semanas, foi divulgado relato de realização de edições genômicas in vivo para melhoria de doenças metabólicas. 

“Estamos indo em um caminho muito acelerado e, embora, seja um custo de base muito grande, é importante lembrar, quanto à precificação, que se trata de terapias com benefícios de longuíssimo prazo. E isso tem que ser quantificado”, considerou. “No Brasil, não temos feito o cálculo de quanto custa levar anos até se encontrar o diagnóstico e décadas de tratamentos muitas vezes erráticos ou intervenções paliativas. Essa conta tem que ser feita, com responsabilidade grande”.

Ainda segundo o pesquisador, haverá produtos celulares, gênicos, além de terapias derivados desse tipo de tecnologia que permitirão a produção em escala industrial. “Teremos bioprodutos disponíveis de prateleira, para uso imediato. E vamos voltar ao papel do SUS como grande comprador e à possibilidade de negociar valores razoáveis”, prevê.

Para Bonamino, o Brasil está atrasado em pelo menos uma década no debate quanto a ser produtor ou consumidor de tecnologia. “Estamos entrando atrasados; temos um atraso que deveríamos trabalhar fortemente para recuperar”.

Trazendo questões para discussão, o pesquisador discordou também da visão do colega Jorge Iriart, quanto aos avanços tecnológicos, como o diagnóstico molecular, virem a acirrar desigualdades. Para além do cenário desafiador, agora agravado com a pandemia de Covid-19, com pacientes de câncer em estágios mais avançados, Bonamino considera que o país tem um problema estrutural a enfrentar. “A questão do diagnóstico molecular, com ganho de escala, ganho de custo, bem coordenada e orquestrada pode ajudar e fazer diferença no que diz respeito ao acesso”, considerou.

Concordando com Carlos Gil Ferreira, Bonamino chamou atenção para a dificuldade de se implementarem ideias no país, mas mostrando-se esperançoso. “Temos um cenário desafiador, mas para quem gosta de olhar para o futuro, e se entrarmos firmes, temos boas possibilidades. Temos que respirar fundo e entrar. Temos que botar para funcionar no Sistema Único de Saúde”, conclamou, desejando “vida longa ao CEE e que a gente consiga ter desdobramentos cada vez maiores na Fiocruz para chegarmos a soluções”. 

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