Apostas esportivas ou ‘jogos de azar’ como questão de saúde pública, na ‘Lancet’ de novembro
Revista divulga inquérito sobre esses jogos, como resposta a “uma ameaça negligenciada, pouco estudada e em expansão”.
Os jogos de azar não são simples atividade de lazer; trata-se de comportamento viciante prejudicial à saúde, aponta o editorial da revista Lancet Public Health, em sua edição de novembro/2024. Os danos associados ao jogo são abrangentes, diz o texto, afetando a saúde, o bem-estar e os relacionamentos do indivíduo, famílias e comunidades “com potenciais consequências para toda a vida e aprofundando as desigualdades sociais e de saúde”. A edição traz dados encontrados pela Comissão Lancet sobre jogos de azar, estabelecendo conexões com os determinantes sociais, comerciais, legais e políticos da saúde.
A Comissão estima que 46,2% dos adultos e 17,9% dos adolescentes participaram de jogos de azar em 2023, globalmente. De acordo com o estudo, embora apenas uma pequena proporção de indivíduos seja classificada como envolvida em jogos de azar problemáticos (1,4%), é crucial considerar o efeito do jogo em todo o espectro de consumo. As estimativas são que 5,5% das mulheres e 11,9% dos homens enfrentam algum risco no jogo. “O panorama epidemiológico está mudando, com a participação de um número substancial de mulheres e jovens”, destaca, ainda, a pesquisa, alertando que “para a indústria do jogo, esse não é um cenário epidemiológico, trata-se de um mercado em rápida expansão e altamente lucrativo”.
Conforme aponta o editorial, o setor de jogos comerciais promove seus produtos e protege seus interesses com adoção de práticas empresariais concebidas “não só para influenciar o comportamento do consumidor, como os processos narrativos e políticos em torno da regulamentação” – com tendência para se concentrar na responsabilidade individual em vez de mudanças políticas mais amplas.
Transformação digital
A Comissão descreve “um ecossistema de jogo complexo com domínios e capacidades incomparáveis oferecidos pela transformação digital”, contando com o uso do marketing digital inovador para atingir os consumidores pelas redes sociais e pelos próprios dados dos usuários, associado ao patrocínio desportivo e mediático, para apoiar a expansão dos jogos. As fronteiras entre jogos digitais e jogos de azar também estão se tornando confusas, indica, ainda, o estudo.
Outro aspecto abordado é o do interesse dos governos, devido aos benefícios que obtêm com os impostos e receitas de uma indústria lucrativa, levando a pouca atenção à compreensão dos danos relacionados a esses jogos. “Confiaram em abordagens demasiado simplificadas, apontando para a responsabilidade individual e os perigos para os indivíduos em alto risco”, analisa o texto. “Equilibrar a saúde pública com interesses econômicos concorrentes é agora crucial, alerta a Comissão, apelando aos governos e tomadores de decisão para que tratem o jogo como problema de saúde pública – tal como acontece com outros produtos viciantes e pouco saudáveis, como o álcool e o tabaco – e fornece recomendações para prevenir e mitigar a vasta gama de danos associados ao jogo.
A Comissão recomenda intervenções tanto no nível da população como no nível individual e clama pela implementação de “regulamentação eficaz” em todos os países, que inclua reduções na exposição aos jogos, com requisito de idade mínima, proibições ou restrições ao acesso, promoção, marketing e patrocínio.
“A indústria alegará que seus produtos são apreciados por milhões de pessoas, a esmagadora maioria das quais não sofre consequências adversas, e que tais recomendações violam a liberdade dos indivíduos. Esta Comissão expõe essas afirmações como profundamente enganosas. Os governos têm o dever de proteger os seus cidadãos de produtos nocivos e viciantes e de adoptar uma resposta de saúde pública ao jogo”, destaca o editorial.