A economia a serviço da vida, em debate com Carlos Gadelha e Pedro Rossi

A economia a serviço da vida, em debate com Carlos Gadelha e Pedro Rossi

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“Toda razão da economia é garantir o direito à vida, à saúde, e ao bem-estar. É a economia a serviço da vida, e vida como bem-estar e sustentabilidade do planeta”, destacou o economista Carlos Gadelha, coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho, em sua exposição no Debate: Saúde e Desenvolvimento, realizado em 04/04/2022, pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). Gadelha dividiu a mesa com o economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Para Rossi, o papel da saúde é fundamental em um projeto de desenvolvimento que tem como princípio “a ideia da distribuição da renda enquanto motor do crescimento”, conforme observou. 

Gadelha iniciou fazendo uma crítica ao referencial neoclássico da Economia e citou o economista e pensador liberal Amartya Sen, que trabalha a vertente tradicional do estabelecimento do elo entre saúde e desenvolvimento, “Uma visão funcionalista da saúde, como um fator de liberdade individual, onde pessoas saudáveis são mais livres para escolher”, considerou, explicando que “Amartya Sen, um dos formuladores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), incluiu nesse indicador a Saúde e a Educação “e todo mundo batia palma”. Na realidade, no entanto, prosseguiu, tratou-se de “a saúde procurar se legitimar na Economia, quando a Economia, sim, deveria se legitimar na saúde”. 

Para Gadelha, essa é uma visão reducionista, pois saúde é, antes de tudo, direito e dever do Estado, e “o investimento na saúde, na cidadania e no direito a vida, independe de um cálculo racional da sua contribuição para o crescimento e o desenvolvimento econômico. Hoje, não dá mais para falar nas questões do  capitalismo, em agenda global, em geopolítica, sem falar de saúde”, afirmou.

Gadelha chamou atenção, também, para geopolítica da estrutura econômica em saúde que, em sua visão, se reproduz em diferentes poderes e acessos. “Em certo momento da pandemia, alguns países haviam vacinado com a segunda dose até 75% da população, e o Haiti não tinha dado sequer uma dose”, exemplificou, lembrando que a saúde deve ser entendida como base da economia nacional e não apenas como gasto ou alocação de recursos escassos, sujeita a balanços de custo-benefício. 

Para além da questão da vulnerabilidade, Gadelha sublinhou que não existe Sistema Único de Saúde (SUS) e acesso universal sem haver base econômica e material que dê sustentação a essas iniciativas. “É preciso avançar na reforma sanitária. A saúde emerge claramente como vetor estratégico de um novo padrão de desenvolvimento do nosso país”, apontou Gadelha, completando: “Um SUS universal com financiamento nacional. Essa é a agenda do desenvolvimento de saúde, o diálogo profícuo entre uma economia política crítica e neoclássica”. 

Carlos Gadelha chamou atenção, ainda, para a transformação estrutural resultante da Revolução Industrial 4.0, pela qual o mundo passa, e para a importância do entendimento de saúde como qualidade de vida. “Nós, na Saúde, temos que ser exemplares em tecnologia sustentável, e o Complexo da Saúde tem que ser portador de sustentabilidade ambiental e exemplo para todo sistema”, conclamou.

Em sua exposição, Pedro Rossi abordou o conceito de desenvolvimento e suas interfaces com a saúde, destacando que não há desenvolvimento duradouro sem uma mudança estrutural. “É preciso pensar o desenvolvimento como intenção política, enquanto processo que conjuga estruturas econômicas, como dizia Celso Furtado”, destacou.

Para o professor, a ideia de que o desenvolvimento virá pela livre e natural força dos mercados é “um conceito neoliberal, esvaziado”. Ele defende “a arte de conjugar e direcionar o processo de desenvolvimento por meio da política e do Estado”. Para Rossi, saúde e desenvolvimento são uma via de mão dupla, ao entendermos a saúde como finalidade do processo de desenvolvimento. “O desenvolvimento econômico provoca impactos sobre as condições de saúde e, dessa forma, sobre as condições de trabalho, a educação, o saneamento. Trata-se de aspectos do desenvolvimento e de condicionantes sociais que vão afetar a saúde”, explicou. 

Segundo o economista, é preciso pensar, ainda, sobre aquilo que o conjunto do setor produtivo destinado à saúde vai gerar em termos de desenvolvimento econômico. Para ele, o conceito do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) é fundamental, pois “articula economia com a saúde como direito”. Rossi lembrou que, do ponto de vista da geração de empregos, cada R$ 1 milhão adicional de produção no CEIS leva em média a 27.7 postos de trabalho adicionais. É a saúde como elemento gerador de emprego, como elemento gerador de renda”, considerou.  

De acordo com o professor, é preciso reduzir a “vulnerabilidade sanitária do país”, demanda que se tornou fundamental e visível a todos depois da pandemia. “Temos no Brasil uma máquina poderosa chamada SUS, capaz de mobilizar uma série de setores, em curto prazo, por meio de suas compras públicas, e, no médio e longo prazo, por meio de políticas públicas de contrato de geração de tecnologias”.

O economista destacou, ainda, a necessidade de se abordar o gasto público em saúde em sua natureza anticíclica. “A saúde das pessoas sofre influências do meio econômico e, nos momentos de crise, demanda mais recursos, e não menos, como mandaria a lógica econômica da austeridade fiscal. Cortar gastos nos momentos de crise afeta o direito à saúde das pessoas”, analisou. “O momento é de fortalecermos o SUS, entendendo que o gasto com saúde deveria ser anticíclico e não estar limitado por regra fiscal”, reafirmou.

Pedro Rossi vê a saúde como dimensão social que tem um peso e é capaz de mobilizar a economia. “Não faz sentido o Brasil continuar com o teto de gastos na Saúde, sem pensar saúde no médio e no longo prazo. Temos que rever as políticas fiscais e seus limites, em função dos objetivos sociais, e não pensar os objetivos sociais em função de limite pré-estabelecido por tecnocratas da política fiscal. Isso é uma escolha social de como organizar os recursos”.