8º Big Data em Oncologia: Fiocruz sela parceria com Inca; evento divulga estudo sobre custos do câncer no SUS
Com a Agência Fiocruz de Notícias *
A Fiocruz e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) assinaram, nesta terça-feira (13/6), no 8° Fórum Big Data em Oncologia, um acordo de cooperação técnica visando desenvolver novos produtos e incorporar tecnologias que facilitem o tratamento do câncer e diminuam os custos para o Sistema Único de Saúde (SUS). É uma parceria inédita reunindo duas instituições de ponta do sistema público de saúde. O 8° Fórum Big Data em Oncologia foi promovido pelo movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC) e pelo Observatório de Oncologia, em parceria com o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE-Fiocruz).
Também no Fórum foi divulgado o estudo Quanto custa o câncer?, desenvolvido pelo Observatório de Oncologia e pelo TJCC. Outro destaque do evento foi o lançamento, em uma parceria da Fiocruz com a empresa farmacêutica francesa Servier, da segunda edição de um prêmio internacional que visa estimular projetos para o desenvolvimento de terapias inovadoras para pacientes com câncer. O evento contou com painéis em que foram discutidos o acesso dos pacientes e os custos para o SUS.
O vice-presidente de Produção e Inovação da Fiocruz, Marco Aurélio Krieger, lembra que, enquanto produtora de insumos, a Fiocruz procura atender algumas demandas importantes do SUS que estão relacionadas às doenças crônico-degenerativas, notadamente o câncer, que cada vez causam mais impactos ao sistema de saúde, função que impulsionou o acordo com o Inca. “A parceria com o Inca favorece uma interação importante entre os pesquisadores das duas instituições. O acordo prevê desdobramentos do ponto de vista do diagnóstico, da saúde pública de precisão, do uso das ferramentas de sequenciamento genômico para identificar as melhores alternativas terapêuticas e ainda o desenvolvimento de novas terapias, quer seja por produtos biológicos ou sintéticos ou ainda as mais avançadas tecnologias, que têm grande potencial de uso contra o câncer e estão chegando ao Brasil”, afirma Krieger.
Entre as terapias avançadas, Krieger destaca como mais promissoras aquelas baseadas no conceito da imuno-oncologia, quer seja na utilização de anticorpos monoclonais, que possam potencializar a resposta imunológica para reconhecer células malignas, ou em metodologias que programam o sistema imunológico para reconhecer os marcadores associados ao câncer e assim destruir essas células. Isso pode ser feito pela indução da expressão dos receptores que vão reconhecer os marcadores cancerígenos nas células de defesa.
Para o coordenador de Pesquisa e Inovação do Inca, João Viola, a cooperação entre a Fiocruz e o Inca tem como objetivo principal estreitar as relações entre as duas instituições no ensino, pesquisa e inovação na área do câncer. “Estamos juntando esforços para resolução de problemas relacionados à área de oncologia, assim como no desenvolvimento de conhecimentos acerca de pontos considerados estratégicos”.
Na prática a parceria vai funcionar por meio de grupos de pesquisa específicos, com pesquisadores da Fiocruz e do Inca, que vão trabalhar na validação e desenvolvimento de novas ferramentas, para a área de medicamentos, de diagnóstico e de biológicos e terapias avançadas. O vice-presidente ressalta que o Ministério da Saúde apoia fortemente a parceria. “Vamos atuar em várias frentes, desde a produção de formulações para o público infantil, que hoje é uma área carente, já que nos hospitais esses medicamentos têm que ser fracionados, acarretando perdas, até a fronteira das novas tecnologias internacionais”.
Para Krieger, o 8° Fórum Big Data em Oncologia é um divisor de águas. “Vamos solidificar um movimento da Fiocruz de dar maior atenção às doenças crônico-degenerativas, estabelecendo um novo patamar na área ao associar diferentes grupos de pesquisa da instituição com atores externos”. O Fórum teve por objetivo organizar informações, dar visibilidade aos achados e fomentar a discussão sobre a aplicação dos dados no planejamento, elaboração e monitoramento das políticas de atenção oncológica. Dois pesquisadores associados do CEE-Fiocruz, o ex-ministro da Saúde José Temporão, e o ex-diretor do Inca Luiz Antonio Santini, participaram do Fórum e fizeram parte de painéis.
Estudo avalia os custos: gastos
Coordenadora de Pesquisa da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), Nina Melo apresentou o estudo Quanto custa o câncer?. Tendo como base os gastos federais, não incluindo números estaduais, municipais, filantrópicos e privados, a pesquisa mostra que as despesas executadas na área de saúde, em 2022, passaram de R$ 136 bilhões. Deste total, mais de R$ 62 bilhões foram gastos em assistência hospitalar e ambulatorial e quase R$ 4 bilhões em tratamento oncológico. Estes R$ 4 bilhões se dividem em tratamento ambulatorial (77%), cirurgias (13%) e internações (10%).
De acordo com Nina, houve um aumento de 402%, de 2018 a 2022, no custo médio dos procedimentos de tratamento do câncer (quimioterapia, radioterapia e imunoterapia). Um procedimento que em 2018 custava R$ 151,33 subiu passou para R$ 758,93 em 2022. O custo médio com internação chegou a R$ 1.082,22 e o gasto com cirurgia alcançou R$ 3.406,07.
Essas são médias gerais para o quadro nacional. Por isso mesmo, há regiões em que esses números aparecerem maiores. No Norte, os procedimentos ambulatoriais chegam a custar R$ 967,06. E no Nordeste estão os maiores valores no que diz respeito à internação (R$ 1.211,83) e à cirurgia (R$ 3.805,70).
“O estadiamento, o processo para determinar a localização e a extensão do câncer presente no corpo de uma pessoa, quando se dá em período avançado, pode ser um dos motivos do aumento do custo do tratamento, já que diagnósticos precoces estão relacionados a uma maior chance de cura e a um tratamento menos agressivo”, pondera Nina.
Um tratamento ambulatorial com quimioterapia em um caso de câncer de mama, por exemplo, que custa R$ 134,17 em um período inicial do cuidado, quando se percebe o início do tumor sem comprometimento linfático, sobe para R$ 223,84 quando se espalha no tecido inicial ou em mais de um tecido com comprometimento do sistema linfático. Em outro nível, quando já é considerado “localmente avançado”, o tumor é ligeiramente maior e/ou se espalhou para áreas próximas ou para mais gânglios linfáticos, esse valor com a quimioterapia chega a R$ 401,54. E alcança os R$ R$ 809,56 quando considerado “avançado” com o câncer se espalhando para outros órgãos ou todo o corpo (metástase). No caso do câncer colorretal, no tratamento hospitalar o custo com internação fica em R$ 924,33. O de UTI, a R$ 3.079,41 e a cirurgia a R$ 6.533,25.
Além dos dois tipos de câncer citados, Nina apresentou custos em relação a tumores na próstata e no pulmão. Segundo ela, “o aumento nos custos no tratamento também pode estar relacionado aos medicamentos que foram incorporados no SUS, como alguns imunoterápicos e ao uso cada vez maior de novas tecnologias disponíveis”.
“Saber quanto custa todo o tratamento oncológico é crucial para entendermos como melhor aplicar os recursos públicos com maior eficiência e como melhor direcionar as políticas de prevenção e controle da doença”, observa a CEO da Abrale e conselheira estratégica do TJCC, a médica sanitarista Catherine Moura.
“A importância de apresentar os gastos realizados pelo SUS para o tratamento de alguns tipos mais frequentes de câncer é não somente mostrar o impacto econômico do problema, como, sobretudo, identificar oportunidades e rotas de pesquisa para garantir acesso a diagnóstico, tratamento e prevenção”, avalia o médico e pesquisador Luiz Santini, do CEE-Fiocruz, que coordena, junto com o pesquisador e ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, o projeto de pesquisa Doenças Crônicas e Tecnologias de Saúde, no Centro.
Santini destaca o acesso a diagnóstico e tratamento como o " grande problema hoje no SUS” em relação ao câncer – e a outras doenças. “Temos tecnologia, temos conhecimento, o financiamento precisa melhorar, mas temos também, no entanto, falta a garantia de acesso”, observa, considerando, ainda, a estrutura do SUS ineficiente para tratar o câncer. “Não existe sistema de saúde sem fila. O importante é garantir a resolutividade. É preciso uma reorganização das estruturas regionais, é preciso capacitação”, defende.
Ele sublinhou, ainda, o papel da atenção básica à saúde, na abordagem do cuidado ao câncer e, nesse sentido, a necessidade de mudança na formação médica, cujo currículo se organiza como se esse nível de atenção ainda fosse sinônimo de tratar doenças contagiosas. “É necessária uma grande reformulação. Não podemos adiar isso”.
Temporão também destaca a atenção primária à saúde como “de extremo valor” no controle do câncer e na redução dos índices de estadiamento avançado da doença. “Temos que começar na base do sistema, olhar para a atenção primária da mesma forma que para a atenção especializada”, considera. “E temos um problema de início, cultural e político. Para se trabalhar com prevenção, é preciso lidar com questão como consumo de alimentos ultraprocessados, que implica lidar com a indústria de alimentos, que, por sua vez, esbarra no perfil da estrutura fiscal tributária, que torna mais barato comprar bolachas do que alimentos de alto valor nutritivo”, exemplifica.
“Esbarra-se também na necessidade de se dispor de um conjunto de profissionais – médicos, enfermeiros, odontólogos, agentes comunitários – que desejem desenvolver sua carreira nessa dimensão. E isso não existe, hoje”, prossegue. O que temos são equipes de saúde da família em que o médico dá plantão, quando o vínculo é central nessa modalidade de atenção. Como manter equipes motivadas bem remuneradas com tecnologias adequadas e adaptadas de modo permanente no território?. É uma questão central”.
Para Temporão, a trajetória do paciente dentro do SUS também precisa ser repensada. “Quando se tem um paciente com diagnóstico presumível de neoplasia, ou de alguma outra doença, que precisa de referência em outro nível de atenção, ele deve continuar a ser paciente daquela primeira equipe, que deve ter responsabilidade intransferível por ele. Mas o que se vê é o paciente perdido. Ou seja, o paciente ainda não está como categoria central da atenção”, aponta.
Prêmio Internacional Fiocruz/Servier
O Prêmio Internacional Fiocruz/Servier vai destinar 150 mil euros (cerca de R$ 840 mil) para três projetos de pesquisa para o tratamento do câncer. O valor será destinado aos projetos selecionados para colaborar com o seu desenvolvimento ao longo de dois anos. A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e o Inca farão parte do processo de seleção dos vencedores.
O presidente da Servier do Brasil, Mathieu Fitoussi, destaca a importância de ampliar e aprofundar os projetos. “A cooperação entre a Fiocruz e a Servier é especial. Há vários pontos de conexão entre as instituições. São duas fundações comprometidas com a melhoria da assistência médica e com a excelência em pesquisa”.
“É uma parceria histórica que envolve transferência de tecnologia bem sucedida de medicamento com Farmanguinhos. Também estamos discutindo um conjunto de iniciativas de inovação aberta e temos ainda projetos em câncer com a Servier”, adianta o vice-presidente da Fiocruz Marco Aurélio Krieger.
A chamada e o regulamento estarão disponíveis a partir desta quarta-feira (14/6), nos sites da Fiocruz, da Servier e da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
* Com cobertura de Ricardo Valverde, na Agência Fiocruz de Notícias, publicada 13/6/2023.